9 de julho: São Paulo precisa de uma revolução de verdade

Oba! Hoje é dia de celebrar a (Contra) Revolução de 1932.

Desta vez não vou criticar o “espírito bandeirante”, simbolicamente construído para ser a identidade de um Estado que se orgulha em se intitular a locomotiva do Brasil – mesmo que, muitas vezes, puxe toda a composição para trás.

Basta lembrar que foi necessário o Supremo Tribunal Federal intervir para garantir a liberdade de expressão por aqui, uma vez que a conservadora Justiça paulista decidiu que era proibido reivindicar mudanças legislativas. Na prática, é isso o que pediam a Marcha da Maconha e a Marcha pela Liberdade: discussão, conversa, diálogo.

Eu já disse aqui e reafirmo que a esperança de São Paulo é que uma nova geração, liberal em costumes, progressista politicamente, consciente com relação ao meio ambiente e aos direitos sociais e civis, menos arrogante e com uma atuação realmente federalista, consiga emergir com força em meio à decadência quatrocentona, travestida de pseudo-modernidade ao longo do século 20, que ainda grassa por aqui.

Essa geração foi às ruas para protestar pelo direito de protestar. E mesmo respirando gás lacrimogênio, levando balas de borracha e tomando cacetada da Polícia Militar, voltou e voltou. Polícia que, como sabemos, sabe muito bem como se comportar em uma democracia com participação popular, uma vez que foi treinada pela ditadura militar e recebeu o aval para a manutenção de suas práticas através da anistia concedida a torturadores.

Formas de insurgência pipocam aqui e ali. Protestos contra estações de metrô que têm sua localização alterada em benefício de um grupo social privilegiado; ocupações de reitorias pelos estudantes, de terras improdutivas pelos sem-terra ou de prédios abandonados por sem-teto; evento gigantescos LGBTT que tornam insignificantes declarações de supostos representantes de Deus; manifestações pelo direito ao aborto, pelo uso de substâncias consideradas como ilícitas e outras liberdades.

Todas têm um objetivo muito maior do que obter concessões de curto prazo. Elas não servem apenas para garantir transporte público, tapar as goteiras das salas de aula, desapropriar uma fazenda ou destinar um prédio aos sem-teto ou ainda conquistar direitos individuais. Os problemas enfrentados pelos movimentos envolvidos nesses atos políticos não são pontuais, mas sim decorrência de uma estrutura que está caindo de velha e que precisa se renovar, que tem que se renovar. Seja através do diálogo e da construção coletiva, seja através da renovação geracional, com os mais velhos dando lugar aos mais novos. Como paulistano, e conhecendo a elite da minha cidade, sei que a segunda opção é a mais provável, com os arautos do atraso segurando o osso até o último prego do caixão.

A sanha punitiva do “Estado-locomotiva” da nação é grosseira, tendo – na maioria das vezes – como alvo a massa de sem-advogado, rotos e pobres, que ousam ir contra alguma coisa. Houve praça de guerra no dia 21 de maio durante a repressão a uma das marchas, na avenida Paulista e redondezas, mesmo tendo juntado muita gente criada no leite Ninho. Agora, imagine se isso fosse na Estrada do Campo Limpo ou na M’Boi Mirim? Ia ser bomba jogada por helicóptero.

(Maria Aparecida foi mandada para a cadeia por ter furtado um xampu e um condicionador. Perdeu um olho enquanto estava presa. Sueli também foi condenada pelo roubo de dois pacotes de bolacha e um queijo minas. São dois, mas poderia ter dado muitos outros exemplos que ocorreram em São Paulo, Estado que julga com celeridade casos de reintegração de posse contra sem-terra e sem-teto e que proíbe rapidamente manifestações populares, mas é moroso nos casos de desapropriação de terras griladas que deveriam retornar ao poder público. Implacável com pequenos, preguiçosos com os grandes.)

Neste 9 de julho, peço a todos os que gostam desta cidade e deste Estado que não desanimem. Está em curso uma lenta, mas inexorável, revolução feita por aqueles que querem ter o direito de serem livres para se expressar, viver e amar, tendo a garantia de sua dignidade respeitada. Uma mudança profunda, não aquela que completa hoje 79 anos, e não mudaria o status quo, pelo contrário.

O poder concedido a representantes, tanto em partidos, como em sindicados, associações, entre outros espaços, vai diminuir e a atuação direta das pessoas com os desígnios da sua vida vai aumentar. Talvez seja otimismo demais – e eu não estou acostumado com isso, considerando que a história provou que a realidade se aconchega no pessimismo – mas vendo as pessoas na rua contra a vontade do Estado, comecei a acreditar que São Paulo não será mais a mesma.

Fonte: Blogo do Sakamoto

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