Jornais partem para uma nova guerra contra o Facebook

Ao anunciar  que deixará de publicar matérias jornalísticas na rede social Facebook, a Folha de S.Paulo confirmou uma tendência que já contagiou mais da metade dos 72 jornais, revistas e sites noticiosos do mundo inteiro que apostaram no projeto Instant News, lançado, em maio de 2015, pela maior rede social da internet .

Por Carlos Castilho, do Observatório da Imprensa

BRENDAN SMIALOWSKI/AFP/Getty Images

Tudo indica que é o fim de uma aliança que desde o começo foi carregada de desconfianças e dúvidas porque na verdade sempre foi um casamento de interesses. A imprensa tradicional procurava ampliar seu público leitor e com ele as receitas de publicidade, enquanto o Facebook buscava incorporar qualidade ao seu serviço, na tentativa de superar sua imagem como rede de fofocas e fotos de animais de estimação.

Mas os quase três anos de existência do Instant News, a área do Facebook dedicada à publicação de matérias jornalísticas, acabaram num impasse, tudo por conta do fenômeno fake news. Da mesma forma que houve uma aliança de interesses, o que está acontecendo agora é um divórcio de interesses. O Facebook está empenhado em desfazer-se da imagem de rede responsável pela proliferação de notícias falsas e de cumplicidade com os estrategistas russos , enquanto os jornais perceberam que a audiência não cresceu como previam e menos ainda as receitas publicitárias.

Assim, volta à cena informativa a velha guerra surda, às vezes nem tanto, entre jornais e as redes sociais, onde os primeiros reclamam que Facebook e Google publicam matérias jornalísticas sem pagar direitos autorais, enquanto as redes alegam que são plataformas de tecnologia, que não produzem conteúdos noticiosos e só reproduzem o que a própria imprensa já publicou na internet.

Indicadores verticais: número de empresas jornalísticas vinculadas ao Instant News. Indicadores horizontais: percentuais de textos publicados no Instant News em janeiro de 2018. Quadro publicado pela revista Columbia Journalism Review.

É um confronto entre interesses comerciais divergentes onde cada lado procura levar vantagem. Imprensa e redes usam o que chamam de interesses do público de acordo com as suas conveniências. Os jornais lutam pela sobrevivência econômica e política de um modelo de negócios que está severamente ameaçado pelas transformações provocadas pelas novas tecnologias de informação e comunicação (TICs). Já as redes sociais sabem que passado o impacto da descoberta de uma nova forma de relacionamento interpessoal via internet, haverá uma inevitável segmentação por interesses individuais, o que pode ser mortal para uma rede como Facebook, que se orgulha de ter mais de dois bilhões de usuários no mundo inteiro.

O que se delineia como uma fuga em massa dos jornais e revistas, ocorre semanas depois do Facebook anunciar uma reprogramação de seus algoritmos (robôs eletrônicos selecionadores de postagens) para beneficiar publicações locais e hiperlocais, bem como aumentar os espaços dedicados às mensagens de conteúdo familiar e interpessoal. É uma manobra editorial para tentar reduzir o volume de mensagens que podem ser associadas à desinformação, notícias falsas e operações de marketing visando objetivos políticos. O rótulo de “rede das fake news” é visto por Mark Zuckerberg, o criador e principal executivo, do Facebook como uma ameaça à confiança do público no meganegócio que ele criou em fevereiro de 2004.

O jogo de desculpas

É difícil prever os desdobramentos da guerra entre redes e jornais, porque os argumentos apresentados pelos dois lados tem mais a ver com interesses comerciais e políticos imediatos do que com perspectivas futuras. A crise do modelo de negócios dos jornais deve continuar até, e se, eles encontrarem alternativas para criar receitas. A alegação de que são vítimas de pirataria editorial pode impressionar alguns, mas tende a perder consistência à médio e longo prazo, na medida em que as leis e regulamentos sobre direitos autorais devem ser alterados para contemplar a liberdade de circulação de dados e informações, hoje um pré-requisito para políticas de inovação industrial e tecnológica.

Por seu lado, a afirmação das redes de que são plataformas tecnológicas que não produzem conteúdos, soa como uma bela mas esfarrapada desculpa. Inúmeros trabalhos acadêmicos, como a badalada teoria ator-rede, do francês Bruno Latour, mostram que não se pode falar de tecnologia sem relacioná-la com o indivíduo. Assim a técnica não é algo divorciado da realidade jornalística, onde novos aplicativos condicionam e são condicionados pela produção de notícias. É altamente problemático escorar-se na tecnologia para evitar o complicadíssimo tema das notícias falsas e da desinformação.

A nova reviravolta na conflituosa relação entre imprensa e redes sociais vai obrigar os usuários do Facebook a mudar novamente de hábitos, já que as estatísticas indicavam um crescimento constante no acesso a textos jornalísticos publicados online. Nos Estados Unidos, 48% dos usuários da internet já acessavam notícias pelas redes. Aqui no Brasil não há estatísticas precisas, mas é muito provável que a tendência também seja de alta, pelo menos até agora.

Diante desta avalancha diária de notícias, sem que possamos confiar plenamente em sua credibilidade, integridade e isenção, deve crescer a tendência das pessoas a buscar referências familiares, locais e em círculos de amigos. A informação em massa, o grande apanágio de imprensa no final da era industrial (século XX) nos levou a um paradoxo. Temos informação demais, mas nos faltam instrumentos confiáveis para avaliá-la, porque a sobrevivência dos grandes impérios jornalísticos levou-os a priorizar interesses financeiros e políticos em prejuízo do interesse público.

Neste ponto o Facebook pode ter alguma razão ao priorizar a informação local na sua polêmica reprogramação de algoritmos, mas talvez tenha perdido de vista que seu modelo de negócios está baseado numa versão digital da comunicação em massa. O dilema de Zuckerberg é, neste ponto, igual do dos jornais: como ganhar dinheiro com noticiário local ou segmentado por interesses, na internet.

**

Carlos Castilho é jornalista e pesquisador acadêmico. Publica um blog na plataforma Medium.

+ sobre o tema

CartaCapital: Mino Carta e as trevas ao meio-dia

  Por que a mídia nativa fecha-se em...

Fernanda Montenegro beija atriz na boca em ato contra Feliciano no Rio

Beijo aconteceu no 7º Prêmio APTR, ligado à produção...

Neurologista usa drama de Maguila para expor riscos a atletas

De acordo com especialista, ainda não há uma solução...

para lembrar

PP não vai indicar Bolsonaro para a Comissão de Direitos Humanos

Com medo de ter a sua imagem desgastada frente...

Trabalho escravo no caminho da impunidade

Quase metade dos empregadores flagrados pelo Ministério do Trabalho...

As mães negras precisam ser cuidadas

Nós, mães negras, ouvimos o tempo todo que precisamos...

Alemanha usa cegos para detectar câncer de mama

Exames para detectar câncer de mama estão sendo feitos...
spot_imgspot_img

Confira a lista de selecionades para o curso Multimídia e Estética

Foram 101 inscrições de 16 estados diferentes do Brasil. Em uma escolha difícil, a comissão avaliadora selecionou todos os candidatos que estavam aptos, de...

‘Enem dos Concursos’ será aplicado no próximo domingo (5); confira cronograma completo

A prova do Concurso Nacional Unificado (CNU), o chamado 'Enem dos concursos", será aplicada no próximo domingo (05), em 228 municípios. O concurso oferece 6.640 vagas...

Comissão Arns apresenta à ONU relatório com recomendações para resgatar os direitos das mulheres em situação de rua

Na última quarta-feira (24/04), a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos D. Paulo Evaristo Arns – Comissão Arns, em parceria com o Movimento Nacional...
-+=