Mídia e diversidade sob a ótica de três mulheres negras

A Escola de Comunicação (ECO) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) marcou o início do ano letivo convidando três mulheres negras para falarem sobre Mídia e Diversidade

A Escola de Comunicação (ECO) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) marcou o início do ano letivo convidando três mulheres negras para falarem sobre Mídia e Diversidade. A mesa aconteceu na manhã dessa segunda-feira (26) no auditório do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), no campus da Praia Vermelha, na cidade ainda abalada pela execução de sua vereadora, Marielle Franco (PSOL).

Palestraram a historiadora, coordenadora do Grupo Intelectuais Negras e blogueira (Preta Dotora), Giovana Xavier; a  gestora de redes, ativista e colunista da Mídia Ninja, Dríade Aguiar; e a jornalista de economia, colunista de O Globo e conselheira da Anistia Internacional Brasil, Flavia Oliveira; mediadas pela fundadora do Portal FavelaEmPauta, Daiene Mendes.

Lugar de fala

Giovana Xavier iniciou as exposições refletindo sobre as múltiplas cargas que pesam sobre os ombros – e pensamentos – das mulheres negras que  produzem conhecimento nas universidades brasileiras, espaço avassaladoramente ocupado por homens e mulheres brancas. De acordo com pesquisa da socióloga Joselina da Silva, o Brasil possuía apenas 531 doutoras professoras universitárias negras até 2005. E, segundo Giovana, o país não tem nenhuma mulher negra como professora bolsista de produtividade científica do CNPQ nível A.

A árdua luta empreendida por gerações e por cada uma daquelas que conquistaram este espaço e outros direitos trazem consigo diversas questões, levantadas assim pela doutora em História. “Como a gente faz pra falar das cicatrizes que carregamos a partir de novos pontos de vista e perspectivas?”; “De que forma a gente se torna narradora das nossas historias abrindo mão de perspectivas politicas importantes, mas que também nos confinam ao lugar de força, da guerra e da dor como única possibilidade de existir?”; “É possível nos ver para além desses lugares de fala?”; “Será que um dia a gente não vai precisar ser identificadas como mulheres negras?”; “Será que a gente vai querer abrir mão dessa identificação?”; “Como a gente sente quando é apresentada assim em espaços majoritariamente brancos? A gente se sente empoderada? Confinada? Ultra-responsabilizada?”, indagou.

Sem respostas conclusivas para estas perguntas, a historiadora, porém, apresentou diversas iniciativas que constrói para fortalecer a presença das mulheres negras na universidade, como a  disciplina Intelectuais Negras, que leciona na Faculdade de Educação da UFRJ; o catálogo Intelectuais Negras Visíveis; a prática de ensino de História Transgressora; o projeto Personagens do Pós-abolição; e o blog Preta Doutora. “São todos projetos dessa junção de sentimentos e do desejo de transformar conquistas individuais e vitórias coletivas. Isso é um grande desafio, sobretudo na academia que é organizada sob o ponto de vista individualizante”, afirmou.

Negritude excluída da mídia

A jornalista Flavia Oliveira se disse cansada e amedrontada como nunca. “Estou nessa estrada há muitos anos esperando por vocês. E vocês estão demorando muito a chegar”, afirmou. Flavia trouxe uma série de estatísticas que demonstram a sub-representação negra na mídia brasileira, realidade que ela encara por dentro há 28 anos.

No país, pretos e pardos representam 54% da população (IBGE 2015) e apenas 23% da categoria de jornalistas (FENAJ). Pesquisas feitas pelo Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação AfirmativaI (Gemaa) da UERJ, em 2016, afirmam que entre os colunistas de O Globo, apenas 26% eram mulheres e 9% negros. Na Folha esses números eram de 27% e 4%, respectivamente. No Estadão, 28% e 1%. A Folha não tinha nenhuma colunista negra.

Nas 162 telenovelas, de 1984 a 2014, 91,3% dos personagens centrais foram representados por atores e atrizes brancos (Gemaa). Só 11 novelas foram protagonizadas por pretos e pardos, sendo três delas por Tais Araújo  e duas por Camila Pitanga, Juliana Paes, Marcos Palmeira e Lima Duarte. Em outras 11 novelas, 100% dos personagens eram brancos.

Outro levantamento feito pelo Gemaa, analisando 3788 imagens de pessoas retardas nas revistas de bordo das companhias aéreas Azul, Latam, Gol e Avianca, em 2015, aponta que 82,2% brancos e 10,1% pretos e pardos.

“A gente tem um desprezo muito grande pela diversidade, seja do ponto de vista de contratar profissionais negros, seja para abrir espaço para fala para uma diversidade da nossa população. Tem alguma coisa nessa estrutura de persistência do racismo e do machismo que faz até com que mulheres jornalistas, maioria na profissão, entrevistem majoritariamente homens brancos. Por isso iniciei falando do meu cansaço e da minha urgência em esperar por vocês”, disse.

Negritude presente: conteúdos que curam

Dríade Aguiar apresentou a Mídia Ninja, salientando que a iniciativa se define como midiativismo, não como jornalismo ou alguma vertente da comunicação tradicionalmente ensinada nas universidades. Um das premissas desse ativismo é exatamente a visibilização da diversidade, presente nos 21 temas aos quais sua cobertura se debruça, entre eles a pauta indígena, LGBT, mulheres e negritude. Diversidade esta que começa na própria composição da equipe. “Provavelmente sou a única mulher negra na coordenação de uma mídia independente no Brasil”, afirmou.

Com alcance médio semanal de quase 20 milhões de perfis nas redes sociais, Dríade destacou que o post mais “bombado” da história da Mídia Ninja abordava o desfile da Escola de Samba Paraíso do Tuiuti, alcançando mais de 15 milhões de pessoas. “E a razão não foi a foto do vampirão, mas essa foto”, disse, exibindo a imagem abaixo de um homem negro.

 

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