“Quando o feminismo vira um produto, a gente tem um problema”, afirma ativista

Entrevista especial para o Dia de Luta das Mulheres debate o feminismo na internet e a apropriação da luta pelo capital

Por Cris Rodrigues e Pamela Oliveira, Do Brasil de Fato

Ana Paula Xongani - mulher negra, usando tranças e camiseta com estampa colorida- sentada sorrindo
“Se a gente entender a internet como um espelho da nossa sociedade a gente vai ter um debate mais justo”, diz Ana Paula Xongani (Foto: Pedro Stropasolas)

O 8 de março de 2020 acontece em meio a um cenário de retrocessos para as mulheres. Entre eles, declarações machistas e homofóbicas do presidente da República e a criação de políticas antiquadas que retiram direitos. Enquanto isso, a palavra “feminismo” ganhou o debate público e está na TV, nas lojas e na internet, para o bem e para o mal.

A luta das mulheres foi apropriada pelo capitalismo para lucrar em cima da força do movimento. É o que defende a jornalista e escritora Clara Averbuck. “Eu acho que o feminismo tem que estar na TV, em todos os lugares. O meu problema é quando começam a lucrar com blusinhas feitas em Bangladesh por mulheres que não têm direitos trabalhistas. Quando o feminismo vira um produto, a gente tem um problema”, pondera.

Clara Averbuck - mulher branca de cabelo loiro, usando mascação vermelho estampado- sentada em uma poltrona e segurando um cachorro no colo
“Se a revolução não for feminista, ela não vai acontecer”, diz Clara Averbuck (Foto: Vanessa Nicolav/Brasil de Fato)

Esse e outros temas relacionados ao enfrentamento do machismo e da estrutura patriarcal foram abordados também pela apresentadora Ana Paula Xongani e pela youtuber Debora Baldin, no Brasil de Fato Entrevista especial pelo Dia Internacional de Luta das Mulheres.

Clara é autora de sete livros, Ana Paula é CEO de sua própria empresa e Debora é assessora de Relações Internacionais. O que as três têm em comum é o fato de atuarem também na internet, além de outros espaços, e poderem adotar um título insuficiente para mensurar sobre sua contribuição ao debate, mas que hoje virou quase sinônimo de uma nova profissão: são influenciadoras.

A atuação no YouTube e nas redes sociais amplia o alcance da discussão e atinge outros públicos, que sem esse espaço não seriam alcançados pelas formas tradicionais de comunicação e militância. E esse também foi um dos temas da conversa. “A função da internet, para mim, sempre foi pautar debates e trazer pessoas para as organizações”, diz Debora, ao reforçar a importância das organizações para além do espaço virtual, que só introduz ao tema.

 Debora Baldin- mulher branca de cabelo curto, usando óculos e camiseta azul marinho- sentada em um sofá
“O debate existe na internet porque o movimento feminista levou, isso é uma vitória”, diz Debora Baldin (Foto: Vanessa Nicolav/Brasil de Fato)

A visibilidade também tem suas consequências negativas, ainda mais em tempos de incentivo à violência, real e simbólica. Todas elas já sofreram com ataques e discursos de ódio nas redes sociais. Ana Paula, que também tem um canal no YouTube, lamenta que isso aconteça, mas alerta para o fato de que a violência não é exclusiva aos meios digitais. “Entender a internet como um lugar hostil é ignorar que a sociedade é hostil. Se a gente entender a internet como um espelho da nossa sociedade a gente vai ter um debate mais justo sobre a internet e sobre o que acontece fora dela”, afirma.

A violência misógina também é institucional e é reforçada pelas ações de quem está no poder, o que amplia a necessidade de mobilização para as marchas do 8 de março pelo Brasil, de acordo com Clara.

“A gente está vivendo esse retrocesso misógino de uma forma muito escancarada e quase pueril. E é tão absurdo e surreal que a gente não consegue debater, porque como se debate com ‘raspem o sovaco’? Isso não é um argumento, é só um ataque infantil”, sinaliza.

Para Ana Paula, “esse momento de retrocesso político gigantesco mostra o quanto a gente ainda tem um país que é completamente sexista, machista e misógino”, mas também reforça que, contra ele, deve surgir um novo levante das mulheres, construído de forma mais fortalecida e organizada.

+ sobre o tema

O poder de fala (ou: quem está escrevendo?)

Vamos conversar um pouco sobre quem escreve e quem...

Violência e invisibilidade marcam realidade de lésbicas no Brasil

Ausência de estatísticas e atenção impedem superação de dificuldades Do...

“Estupro não, sexo surpresa” Universitários são acusados de combinar estupro na UFRA

Conversas mostram grupo combinando quando seriam os assédios e...

Mel Duarte combate machismo e racismo com poesia

Desde os oito anos de idade, Mel Duarte já...

para lembrar

Jovem vítima de abuso sexual recebe autorização para eutanásia

Estuprada dos 5 aos 15 anos, holandesa tinha estresse...

E después de ti no hay nada: um conto de Fabio Hernandez

Pedro estava em seu pequeno apartamento de jornalista solteiro....

As mulheres que desistiram de ter filhos por temor sobre mudanças climáticas

"Não consigo me ver como responsável pela vida de...

Maria de Magdala, a santa Maria Madalena, ícone feminista

O boato de que Maria de Magdala, contemporânea de...
spot_imgspot_img

Universidade é condenada por não alterar nome de aluna trans

A utilização do nome antigo de uma mulher trans fere diretamente seus direitos de personalidade, já que nega a maneira como ela se identifica,...

O vídeo premiado na Mostra Audiovisual Entre(vivências) Negras, que conta a história da sambista Vó Maria, é destaque do mês no Museu da Pessoa

Vó Maria, cantora e compositora, conta em vídeo um pouco sobre o início de sua vida no samba, onde foi muito feliz. A Mostra conta...

Nath Finanças entra para lista dos 100 afrodescendentes mais influentes do mundo

A empresária e influencer Nathalia Rodrigues de Oliveira, a Nath Finanças, foi eleita uma das 100 pessoas afrodescendentes mais influentes do mundo pela organização...
-+=