Contra retrocesso em leis eleitorais e pelos direitos das mulheres negras

Enviado por / FonteECOA, por Anielle Franco

Na última semana, o Congresso Nacional entrou em recesso em meio a muitas polêmicas e uma enorme incerteza às vésperas do período onde se pode aprovar legislações que passem a valer para as próximas eleições, em 2022. Em poucos dias, nós fomos do absurdo debate a respeito do voto impresso, a aprovação pelo Senado de uma lei de violência política de gênero que apesar de ter sido apresentada como um avanço, excluiu categoricamente mulheres transsexuais e travesti de sua classificação de violência, até a aprovação de um Fundo Partidário de valor bilionário, distritão e muito mais.

Trata-se de uma “reforma” e para começar esse texto quero fazer uma referência à palavra reforma no contexto que a maioria de nós conhecemos. Reforma de casa. Nas últimas semanas me mudei e tive que fazer pequenas reformas na casa que estava deixando. Arrumei uma goteira na pia do banheiro, consertei um problema na porta da sala, arrumei o piso da cozinha… Melhorei a casa. É isso que esperamos de uma reforma, certo? Melhorias. Mas, há algum tempo as reformas que estão sendo apresentadas no Congresso Nacional, que deveriam melhorar o nosso país, na verdade estão o destruindo. E é isso que está acontecendo agora, mais uma vez, com a Reforma Eleitoral proposta.

Hoje, só aumenta minha certeza de que, aqueles que estão hoje no poder vem trabalhado apenas no intuito de conseguirem se manter nesse lugar privilegiado e no próximo ano, nas eleições que prometem ser uma das mais decisivas dos últimos tempos. Estamos falando da possibilidade real de derrota de um governo genocida, sexista e racista pautado em um projeto político que desde 2019 apenas feriu e desrespeitou, e desde 2020 com o início da pandemia de Covid-19 levou à morte milhares de brasileiros e brasileiras. Por outro lado, com o avanço dessa macro reforma eleitoral, o cenário seria de uma não renovação de quadros políticos, da exclusão de grupos minorizados, como pessoas negras, mulheres e LGBTs de espaços de poder e da manutenção desse congresso e câmaras legislativas que é composta majoritariamente por homens, cisgêneros, brancos e de classe média, um perfil muito diferente da maioria do eleitorado brasileiro.

E nesse ponto que quero tocar: O risco de um retrocesso na representatividade de mulheres negras e de uma perda de conquistas que tivemos até aqui. No ano passado nós do Instituto Marielle Franco junto à parceiras atuamos em uma grande incidência no Supremo Tribunal Federal pela aprovação da proporcionalidade de distribuição dos recursos do Fundo Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e o tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, entre candidatos negros e brancos.

Em setembro, o STF entendeu que essa distribuição deveria ser feita pelos partidos. Ainda assim, nas eleições de 2020 tivemos uma série de notícias de fraudes e concentração de recursos em candidaturas de pessoas brancas. Mas o fato hoje é que, ao invés da Reforma Eleitoral que está sendo votada tentar aumentar a representatividade de mulheres e pessoas negras e fazer valer decisões como a do STF, eles sequer citam essa decisão ou mesmo levam em consideração as especificidades de grupos historicamente sub-representados.

Diante desse cenário tão preocupante, movimentos de mulheres e a sociedade civil organizada que atua na luta por uma maior representatividade na política estão atuando incansavelmente para tentar barrar essa reforma. E aqui chamo atenção para o que pode ser a maior e mais radical mudança a ser aprovada nas próximas semanas, o distritão.

O modelo distritão favorece quem já está no poder, quem tem mais dinheiro ou visibilidade, por exemplo, pessoas famosas e youtubers que tem poucas propostas políticas de fato e afasta ainda mais grupos minorizados em nossa sociedade. Para a FADPM, o modelo favorece a competição individual, reforça uma lógica de candidaturas personalistas com acesso privilegiado a recursos financeiros e a uma forte exposição midiática, enfraquece a pauta programática dos partidos políticos e esvazia a ideia de projetos de governo construídos coletivamente, fortalecendo a concepção do “cada um por si” no exercício da política.

Para cientistas políticos em nosso país, o risco cresce se considerarmos que a maioria esmagadora das cadeiras legislativas é, em todos os níveis, ocupada por homens (cerca de 85%). Para exemplificar, se o distritão tivesse vigorado nas últimas eleições de 2018, o número de mulheres eleitas na Câmara Federal teria caído de 77 para 73, as pessoas negras eleitas passariam de 125 para 117 e a primeira e única mulher indígena a chegar ao parlamento nacional em toda nossa história teria sido deixada de fora.

Sei que, entender a política e as regras do jogo eleitoral é muito difícil e por isso mesmo, nos últimos anos venho trabalhando de forma a fazer a política não parecer um bicho de sete cabeças, ou mesmo algo distante da população, pelo contrário. O que acontece no Congresso e nas leis do nosso país, muitas vezes é decidido sem a discussão necessária e tem impacto direto na vida de milhares de brasileiros e brasileiras, e o pior é que nem sabemos disso. Por isso mesmo, é muito importante que estejamos atentos e atentas às mudanças que estão tramitando no congresso e consigamos nos unir no sentido de barrar tudo que está acontecendo e que pode representar um retrocesso.

Para isso, hoje deixo para meus leitores algumas recomendações de páginas, sites e perfis de organizações e pessoas que estarão nas próximas semanas debatendo a Reforma que tramita no Congresso. São eles: o Instituto Marielle Franco, a Frente Pelo Avanço dos Direitos Políticos das Mulheres, o Freio Na Reforma e a Coalizão Negra por Direitos.

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