- Papagaios da educação parecem incapazes de pensar sociedade
- Educação não pode se tornar um subterfúgio para evitar reformas estruturais
Num país marcado pela segregação sistêmica, poucos mitos são tão insistentes quanto o da educação como o principal passaporte para a ascensão social e diminuição das desigualdades. Muitos pobres sabem disso. E convencer um jovem desfavorecido a investir anos de sua vida no estudo, renunciando ao lazer ou à renda imediata que poderia vir de algum subemprego qualquer, é como pedir um ato de fé. Contudo, tal fé não costuma se sustentar quando vários exemplos ao redor teimam em contradizer a promessa.
E a promessa é de que, se o jovem pobre estudar com esforço e dedicação, adquirirá habilidades e competências que abrirão portas no mercado de trabalho. O problema é que esse discurso ignora um ponto fundamental. Para muitos que vêm de origens desfavorecidas, o retorno da educação é menor. Quando chegam ao mercado, eles enfrentam discriminação e têm menos oportunidades do que os filhos das elites.

Essa percepção mina sua confiança. Ao olhar para o futuro, esses jovens costumam ver poucos exemplos de pessoas como eles que conseguiram ascender socialmente por meio dos estudos. Eles sabem que o caminho da educação exigirá anos de sacrifício, dedicação e privações, sem garantia de que conseguirão se sustentar durante todo o percurso. Muitos, diante desse horizonte, desistem antes mesmo de começar.
O efeito desse quadro se vê dentro das próprias escolas. Estudantes de baixa renda, em muitos casos, não se engajam nos estudos. Porém, nada disso tem a ver com suas capacidades, mas vem do fato de que eles não são ingênuos e percebem desde cedo que o esforço dos desfavorecidos, na dividida sociedade brasileira, raramente é recompensado. No fim, isso alimenta um ciclo perverso em que baixos níveis de dedicação levam a piores resultados, que, por sua vez, reforçam a descrença na educação. Uma profecia que se cumpre sozinha.
Nesse contexto, os papagaios da educação, ou seja, aqueles que repetem exaustivamente que o país só avançará com ensino de qualidade, precisam aprender uma valiosa lição. A lição de que não se pode depositar todo o peso de uma sociedade excludente nas costas das escolas e dos professores. Não cabe a eles a tarefa de operar milagres.
É preciso entender que a educação não é um sistema isolado. Ela não começa nem termina dentro da sala de aula. Ela é moldada pelas interações sociais, pelo ambiente em que cada estudante está inserido, por suas vivências, pelas expectativas em relação ao futuro e pela possibilidade de transformar o conhecimento acumulado em realização. Se a sociedade como um todo continuar relativamente fechada para os jovens periféricos, o valor da educação como promessa enfraquece.
Dessa forma, avançar na oferta de uma educação de qualidade é um passo. Um passo importante, mas ainda assim, representa apenas um passo. Sem transformar o mercado de trabalho, sem reduzir o peso da discriminação em nossa sociedade, sem justiça tributária, e sem reformas estruturais que corrijam as disparidades nos pontos de partida dos cidadãos brasileiros, nenhuma escola e nenhum professor conseguirão evitar que uma legião de estudantes se torne, cada vez mais, desencantada com o sistema.
O texto é uma homenagem à música “Dá o Pé, Loro”, de Guinga.
Michael França – Ciclista, vencedor do Prêmio Jabuti Acadêmico, economista pela USP e pesquisador do Insper. Foi visiting scholar nas universidades de Columbia e Stanford