A cara da nova literatura africana

Em passagem pelo Brasil, Alain Mabanckou esteve presente em atividade realizada pelo Centro de Pesquisa e Formação do Sesc em parceria com o Consulado Geral da França no Brasil e o Festival Black to Black. O encontro discutiu a nova literatura africana e o papel dos escritores perante um mundo conturbado e atormentado por graves conflitos étnicos.

no Centro de Pesquisa e Informação do SescSP

O escritor é considerado um dos principais nomes da literatura francófona contemporânea. Condição ainda mais significativa para alguém nascido na bela Pointe Noire, cidade litorânea e principal centro comercial da República do Congo, filho único de uma vendedora de amendoins que, como a maioria da população, não havia aprendido a ler.

“Quando eu ficava com o pai, que sabia ler um pouco, minha mãe ficava com ciúmes, então ela fingia que sabia ler. Ela segurava o jornal para mostrar que sabia ler, até que um dia o jornal estava de cabeça para baixo. Ela disse que estava de cabeça para baixo para ver se ele sabia ler”, conta com bom humor e ressalta “não existe literatura nos idiomas do Congo. Os governos da África não incentivam as línguas locais” e revela que se não falasse francês não teria tido acesso a grandes escritores que o inspiraram como Yukio Mishima, Fernando Pessoa e Gabriel García Marquez.

Como milhões de africanos, ainda jovem deixou seu país que vivia um período ditatorial e mudou-se para a França, onde estudou direito, segundo ele, porque sua mãe sofria muitas injustiças como pequena comerciante e queria que seu filho a defendesse. No entanto, com a morte da mãe em 1995, abandonou o direito e começou a escrever poemas e contos.

Após algumas recusas de editores que avaliavam suas obras como “histórias de amor muito chorosas” encontrou seu caminho: foi convidado para uma residência de escritores nos Estados Unidos por um ano, para escrever um livro. Foi então que o escritor, hoje com 49 anos, começou a ganhar notoriedade e pôde dedicar-se totalmente ao texto. Pouco tempo depois foi convidado a lecionar literatura francófona nos Estados Unidos. Atualmente é professor da tradicional Universidade da Califórnia em Los Angeles, a UCLA. “Os EUA me dão o pão. E quando alguém te dá o pão você não pode ser ingrato. Além do que, o meu trabalho é ensinar a literatura francófona, tanto a francesa quanto a africana, e para mim isso é extraordinário, ser pago para exercer a minha paixão”, completa Mabanckou.

Autor de cinco romances e seis livros de poesia, o escritor retrata temas como a diáspora africana e histórias centenárias e atuais de sua região. Sua escrita é fortemente marcada pela oralidade, sendo a fluidez e o ritmo suas principais características. Sobre isso, comenta: “Nos livros de literatura africana você encontra a mistura da história escrita e da história oral. Nossa literatura não vem do cérebro, vem do coração, vem do ventre” e ainda destaca: “quando se usa a língua francesa, as palavras são em francês, mas o ritmo, o fôlego, vem de nossa origem.”

O autor também falou das barreiras que a literatura africana enfrenta para ser mais difundida. “É espantoso como os escritores africanos, desde a década de 1920, escreviam em francês, eram publicados na França, mas não eram lidos. Os editores franceses esperavam por uma literatura exótica, caricata. A África não é a barbárie, não são os antropófagos, não existem só os pigmeus. Eu nunca vi um pigmeu. Na África existem também pessoas que amam e falam de seus amores. Existe poesia, existe música”. Contundente o escritor continua: “A literatura africana é a recusa desse preconceito. E acredito que a literatura africana nasceu porque os africanos recusaram o retrato que os europeus queriam fazer deles.”

Mabanckou aborda temas como o racismo e a liberdade e soberania dos países africanos, mas lamenta o alcance que tem.”A literatura africana se faz, em grande parte, fora da África. Desde o início do século XX, os principais autores estiveram fora da África. O grande problema é conseguir ser lido dentro da África. As maiores críticas que me fazem pela internet é que eu escrevo para os brancos, mas não existem editoras na África. A pirataria ajuda a divulgar. Se quiserem ajudar a África, invistam em livrarias.”

O franco-congolês recebeu diversos prêmios nos últimos anos, dentre eles o Prix Renaudot, um dos principais da literatura francesa, mas quando tocam no assunto, prefere reforçar o atual momento literário de seu continente. “Hoje os escritores africanos podem escrever sobre a beleza, sobre as flores. Quando eu quero falar de guerra eu falo de guerra como se deve. Não vou falar apenas para ser lido e, talvez, a melhor maneira de conhecer a África é pelo romance que nós escrevemos.”

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