Racismo é a endemia cuja cura não interessa a medicina

O atual cenário político e o advento das redes sociais dando voz a todo tipo de manifestações pois a prova o mito da democracia racial, que o Brasil com forte herança escravocrata e escravagista cinicamente ostentava diante do mundo atual. São inúmeras manifestações de ódio racial, injúrias, tentativa de silenciamento e apagamento das pessoas negras e suas vivências que presenciamos diariamente em meio a sublimação de uma estrutura que vem prejudicando pessoas negras há séculos.

 Por Joice Berth Do Imprensa Feminista

Tudo isso sob o silêncio sorridente de uma sociedade que insiste em não assumir esse crime praticado a exaustão e se satisfaz com manifestações pífias de rejeição (#somostodosopretodavez) para logo em seguida achar caminhos para absolver os criminosos notáveis (caso do goleiro Aranha). Isso quando em coro quase uníssono não tentam deslegitimar ações de autodefesa desenvolvidas pelas pessoas negras, ridicularizando, expondo e tachando de vitimista (ignorando solenemente o fato de que pessoas negras são vítimas sim, do racismo deles).

Os meritocráticos suspiram um “que absurdo!!!”, seguido de uma resignação premeditada, afinal, não são atingidos ou acham que não são, não é mesmo?

Isso não é novidade, não para pessoas negras que nem tem como fugir dos efeitos fatais e nefastos em suas vidas cotidianas e nem ao menos lhe é permitido disfarçar quando inevitavelmente dão de cara com um caso, embora algumas pessoas negras insistam na não existência dessas articulações estruturais devido a internalização do racismo que lhe foi direcionado de todas as maneiras. Outras pessoas negras se conformam afirmando para si mesmas que ‘hoje em dia está melhor pra nós’. Ferguson e Osasco que o diga.

Estamos falando de um país onde 90% da população, segundo pesquisas admitem que são racistas e 92% admitem já terem presenciado ou ouvido uma situação de racismo. Brancos são racistas em sua esmagadora maioria, até porque há uma base social meticulosamente preparada ao longo da história da América, permitindo que através dessa opressão se mantenha o status quo do mundo capitalista moderno.

Já dizia o Senhor Malcom X: ‘não há capitalismo sem racismo’. Alguém precisa ser menos para que eu possa continuar sendo mais. É através da legitimidade do seu apagamento social que eu posso manter meus privilégios. Que os meritocráticos não me ouçam, mas o que seria de suas incursões heroicas pela selva capitalista, sem suas empregadas/amas/mucamas para manter a ordem do seu dia-a-dia. Quem vai lavar o salto Louboutin da madame empresária de sucesso? E o terno Armani do senhor de engenho moderno, quem engoma? Precisamos de pretos nos bastidores sociais para garantir nosso tempo e dinheiro no palco da micro aristocracia moderna. Ou não? Sim, sabemos que sim.

Há racistas de todas as linhagens: os assumidos, os enrustidos, os cínicos, os oportunistas, os pseudoapoiadores das lutas raciais, os que “admiram a sua raça”, os que cresceram na sua casa, os que ‘até são casados(as) com negros(as)’, os que estudam a negritude para entender, os que fazem cosplay de negro via hip hop/samba de raiz e pagode, os regueiros e pleiteadores de turbantes e afins, etc.

É um contingente abrangente onde o racismo se manifesta de várias formas, as vezes quase inocentes até, mais nem por isso menos nocivo. Mas evidentemente, existem nichos (ou lixos?) onde o racismo é deliberado. Onde o racismo é prato principal da refeição e assunto principal das rodas de conversas. E esses nichos(lixos!) são surpreendentes, de todos os lugares que cultivam racismo, esses são de longe os lugares onde menos deveria ser tolerado. Como nas universidades por exemplo, onde as lutas raciais se acirraram nos últimos anos devido a implementação de políticas afirmativas capitaneadas pelas cotas.

Os alunos admitem pobres sim, ao contrário dos que afirmam que as cotas aumentam a segregação(?) e que a solução seria cotas sociais. Mas negros não são aceitos, independente da classe social a qual possam pertencer. O pai do jogador Ronaldo sabe disso agora(!) pois foi barrado recentemente em algum lugar por ser negro. A filha da empregada pode sentar ao lado da filha do doutor desde que não seja negra. Já dizia Racionais Mc’s na inesquecível ‘Racistas Otários’ letra composta em parceria com o lendário DMN (do tempo que rap era coisa de preto):

“Os sociólogos preferem ser imparciais

E dizem ser financeiro o nosso dilema

Mas se analisarmos bem mais você descobre

Que negro e branco pobre se parecem

Mas não são iguais”

Existe um protecionismo latente entre as pessoas brancas que faz com que a pobreza seja menos vergonhosa ou mais fácil de aceitar do que a cor da pele, principalmente em um ambiente acadêmico onde supostamente quem chega tem ascensão garantida, logo, o pobre branco está ali para futuramente ser incorporado à mesa da aristocracia moderna e tão logo termine os estudos será promovido a sinhô ou sinhá e todo seu passado de favelização e segregação social será removido para ser ressuscitado apenas em ocasiões oportunas, como por exemplo nas explanações teatrais e canastronas acerca da funcionalidade garantida da meritocracia.

Mas sabemos que nem sempre negros que ingressam nas universidades, seja por cota ou por recursos próprios, conseguem atingir altos postos profissionais, justamente por essa característica básica da branquitude, a auto blindagem dos seus iguais. Isto posto, também devemos considerar que devido aos efeitos colaterais do racismo vigente, negros tendem a se rejeitarem mutuamente e não apresentam a mesma eficiência em promover outras pessoas pretas quando ascendem, o que resulta na escassez de negros nos ambientes profissionais mais desejados e bem remunerados. Como a Medicina por exemplo.

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