Um ano de retrocessos, mas também de empoderamento

E discussão dos direitos humanos

Por , do DM

Fim de ano é tempo de fazer aquele balanço de tudo o que aconteceu. Na política, acompanhamos de perto retrocessos na Câmara dos Deputados no que tange aos direitos humanos. No fazer político, talvez uma onda muito maior, mais arrebatadora, daquelas que nos trazem sensação de infinitude, do sentimento oceânico de que falava Freud.

No Congresso Nacional, assistimos deputados distribuírem impropérios contra mulheres. O próprio presidente da Casa, deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ), disse que “aborto só vai a votação” se passar por seu “cadáver”. Não bastasse, Marco Feliciano (PSC/SP) disse que estimular mulheres a terem os mesmos direitos que os homens faz com que seu lado materno comece a ficar anulado.

O tempo é propício também para lembrar o que disse o deputado Jair Bolsonaro (PP) no fim do ano passado à deputada Maria do Rosário (PT): de que não merecia ser estuprada porque “é muito ruim e muito feia”. Muito ruim e muito feia ficou a situação para Bolsonaro, que teve sua condenação mantida, nos últimos dias, pela 3ª Câmara Cível do TJDFT. O parlamentar deverá indenizar em R$ 10 mil a deputada e se retratar publicamente em jornais de grande circulação.

Talvez esse ano e, principalmente, os deputados, tenham nos ensinado um pouco mais sobre o machismo. Talvez, finalmente, tenhamos entendido que ele realmente existe: da Casa Legislativa às vias públicas e transportes coletivos. Não que antes ele não existisse. Mas, nos dias nefastos em que vivemos, tendemos a aceitar apenas os “fatos” divulgados pela grande mídia. Fora dela? Ficção, história para boi dormir, “mimimi” de mulher.

Só começamos nossas campanhas contra o assédio sexual nos ônibus e no transporte metroviário da cidade de São Paulo quando uma repórter do portal R7 contou sua desesperadora história de assédio no metrô. Podem observar: os transportes estão inundados de posters e campanhas contra o assédio. Naquele dia em que a repórter tornou público o seu abuso, nos estarrecemos com sua calça jeans manchada com o sêmen de um homem. Em casa, nas ruas, homens se diziam surpresos por saberem daquela história. “Nunca vi isso acontecer” ou “nem sabia que isso acontecia” foi o que ouvi – até dentro de casa.

Os mesmos homens ficaram surpresos quando campanhas como #meuprimeiroassédio e #meuamigosecreto explodiram nas redes sociais. Como é que se pode assediar uma menina tão nova? Como tudo isso pode acontecer com as mulheres? Pois é, meus amigos, acontecem. E, como disse a querida Márcia Tiburi na entrevista em que conduzi, nosso amigo secreto é nosso amigo, nosso pai, nosso irmão, ou qualquer outro homem de nossas vidas. O machismo é, sobretudo, um discurso, que, de tão naturalizado, não conseguimos enxergá-lo.

O “Mapa da Violência 2015 – Homicídio de Mulheres no Brasil” foi, com certeza, uma das demonstrações de que essa figura existe. Principalmente na vida das mulheres negras. Djamila Ribeiro, filosofa e feminista negra, nos abriu os olhos para uma realidade muito mais extensa: a hashtag das campanhas não chega a todas, mas, na verdade, a pouquíssimas. As outras tantas estão marginalizadas em nossa sociedade.

As estatísticas nos mostraram que a violência de gênero é muito forte no Brasil: o país ocupa a quinta posição do mundo no assassinato de mulheres, conforme dados da OMS que avaliaram um grupo de 83 países. Mais do que isso, o Mapa da Violência nos mostrou que o homicídio de mulheres também tem cor. Nos últimos 10 anos, os assassinatos de mulheres negras aumentou em 54% no Brasil. No mesmo período, o número de homicídios de mulheres brancas caiu em 9,8%. Contra o racismo que provoca essa letalidade, uma bonita Marcha de mais de 40 mil pessoas tomou Brasília no último mês.

Acredito que 2015 nos ajudou, sobretudo, a saber lembrar. As declarações dos parlamentares, entre outras provocações, ao menos serviram de algo: expuseram, escarraram, cuspiram, o machismo que percorre as vias públicas, os transportes coletivos, e aprisiona nossos corpos.

Um ano de retrocessos, mas também um ano de empoderamento e discussão dos direitos humanos.

 

(Natalie Garcia, jornalista – Texto originalmente publicado no blog: justificando.com)

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