Políticas Culturais LGBT: cultura das letrinhas?

Semana passada, começamos uma discussão sobre políticas culturais voltadas para a população LGBT. Para adensar a conversa, iniciarei com breves comentários acerca da adjetivação do conceito de cultura enquanto “LGBT”. Ressalto, novamente, que essa série de posts está sendo produzida a partir dos resultados de uma pesquisa que está sendo realizada no Ser-Tão (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade), da UFG (FRANÇA, 2013).

Por Matheus França,

É importante deixar claro, desde já, que o conceito de “subcultura”, o qual a noção de “cultura LGBT” parece remeter, estará doravante sob rasura[1], pois, de acordo com o teórico Stuart Hall, “o sinal de rasura (X) indica que eles [os termos] não servem mais – não são mais ‘bons para pensar’- em sua forma original, não reconstruída” e devem, portanto, ser trabalhados de forma descontruída, não mais trabalhando nos paradigmas em que foram pensados (HALL, 2011, p. 104).

 

O termo subcultura e suas variações, tais como cultura LGBT, serão tomados aqui como referências culturais que não fazem parte de um quadro hegemônico (GRAMSCI, 1988), o que não necessariamente denota inferioridade de uma(s) cultura(s) sobre outra(s). Ou, nas palavras de Denys Cuche (1999), falarei sobre o conceito “sem que o termo implique em uma interpretação que poderia levar a uma confusão entre subcultura e uma cultura inferior […]. Nas sociedades complexas, os diferentes grupos podem ter modos de pensar e agir característicos, partilhando a cultura global da sociedade” (p. 101).

A princípio, a noção de subcultura passou a ser difundida após uma onda de estudos sociológicos nos Estados Unidos em meados do século XX em contextos urbanos que deu origem à chamada Escola de Chicago. As pesquisas desenvolvidas nesse momento tinham como foco as “comunidades urbanas” e tentavam analisar as mesmas sob uma perspectiva ainda muito global e totalizante; intentavam abarcar todos os aspectos da vida social daqueles grupos, assim como faziam ainda boa parte de antropólogas/os em sociedades tradicionais. O termo subcultura surge, então, para tentar enfatizar que, embora participassem de uma “cultura” mais ampla, no caso a “americana”, estas comunidades urbanas estabeleciam certa lógica interna e compartilhavam significados mais específicos e particulares em contextos menos vastos.

O mesmo termo teve destaque no pensamento dos chamados estudos culturais, que surgiram através do Centre for Contemporary Cultural Studies (CCCS), ligado à Universidade de Birmingham, na Inglaterra, ainda na década de 60. Nesse contexto, deu-se especial atenção à chamada subcultura juvenil – embora não somente a essa –, por meio da qual se analisava os diversos grupos urbanos formados a partir de interações sociais entre jovens, tais como punks, rockers, etc. Entre diversos aspectos, que por uma questão de espaço não serão totalmente resenhados aqui, estas/es estudiosas/os acreditavam que as subculturas abrigavam aspectos de resistência na medida em que conservariam elementos não compartilhados por uma cultura hegemônica[2] e contestariam ideologias dominantes, construindo assim diversas e novas relações de poder para além, por exemplo, de abordagens que fixam os sujeitos a uma posição ligada somente à ideia de classe.

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A perspectiva dos estudos culturais não se atenta tanto às diversas estratificações que ocorrem dentro das chamadas subculturas, centrando quase sempre a discussão no debate resistência x hegemonia.

Contudo, a partir dos anos 90 tal abordagem começou a ser fortemente criticada, de diversas direções e por variados motivos. Freire Filho (2005) realiza um bom levantamento de tais críticas, que em resumo dizem respeito à incapacidade da noção de subcultura de distinguir as diversas estratificações, ou melhor, dinâmicas que acontecem no âmbito, por exemplo, das culturas juvenis. Uma das vias possíveis de entendimento desse contexto é o chamado “pós-subculturalismo”, termo que indica um momento em que se realiza uma releitura crítica das teorias da tradição da Escola de Birmingham, tendo como pano de fundo as complexas (re)articulações entre fluxos globais e subcorrentes locais, promovendo uma proliferação de diversas terminologias – canais, subcanais, cenas, entre outras (FREIRE FILHO, 2005).

Na próxima edição, abordarei os documentos governamentais analisados durante minha investigação, a fim de trazer elementos para pensar como a noção de cultura LGBT vem sendo pensada nessas instâncias. Até lá!

[1] A ideia de um conceito “sob rasura” vem do filósofo francês Jacques Derrida, para quem “por meio dessa escrita dupla, precisamente estratificada, deslocada e deslocadora, devemos também marcar o intervalo entre a inversão que torna baixo aquilo que era alto […] e a emergência repentina de um novo ‘conceito’ que não se deixa mais – que jamais se deixou – subsumir pelo regime anterior” (DERRIDA apud HALL, 2011, p. 104).

[2] O conceito de hegemonia é especialmente caro para boa parte dos estudos culturais, tendo como principal influência os escritos de Antônio Gramsci. Para uma discussão mais detalhada, conferir Escosteguy (2001, pp. 107-137).

Fonte: Ensaios de Gênero

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