Em terra de chapinha, quem tem crespo é rainha? – Por: Jarid Arraes

Ao contrário do que pode parecer, cabelo não é um assunto fútil. A forma como as pessoas se relacionam com seus cabelos dentro de uma cultura é bastante reveladora: são símbolos, indumentários, acessórios e maneiras de apresentação que falam sobre os valores de uma sociedade. Não é por acaso que cabelos lisos e ondulados são considerados mais bonitos e estão em todas as propagandas, nem é coincidência o fato de que cabelos alisados e tingidos de loiro sejam tão populares entre as mulheres. O cabelo tem uma enorme importância política e identitária, visto que aquilo que é considerado mais belo é, invariavelmente, considerado melhor.

Mas a pertinência da pauta não se resume às relações identitárias das pessoas com os seus cabelos. Enquanto uma aparência física que remeta a branquitude é mais valorizada, o racismo pode se esconder de maneira ardilosa, mesmo nos discursos contra a discriminação. Por exemplo, se observarmos as campanhas que celebram cabelos cacheados, é possível perceber que nem todo cabelo cacheado é totalmente repudiado ou celebrado. A depender da textura dos fios, o cabelo pode ser interpretado como simplesmente cacheado ou como crespo.

Essa separação não é completamente unânime, mas os cabelos crespos das mulheres negras geralmente não são aceitos nem mesmo nas campanhas políticas contra o alisamento. Isso acontece porque os cachos que são considerados mais belos são aqueles cachos soltinhos e sedosos, características de um cabelo considerado limpo e bem cuidado, com espirais bem definidos, mas que jamais passa qualquer aparência de “rebeldia”. Já o cabelo negro volumoso, dito “sem forma” definida e que não balança ao vento é considerado “ruim” na cultura popular e por isso precisa ser “melhorado” a qualquer custo.

Mesmo em ambientes voltados justamente para o público com cabelo cacheado, e que em muitos casos possuem um forte discurso de identidade crespa, é comum haver piadas e brincadeiras com a ideia do “cabelo ruim” ou críticas aos cabelos muito volumosos e sem definição de cachos. É por isso que muitas garotas e mulheres negras avançam até a página dois: conseguem se libertar da chapinha e dos alisamentos, mas caem na frustração de não possuirei o “tipo certo” de cacho. Há muitos produtos destinados a combater o frizz, assim como técnicas de fitagem e outros métodos para modificar os cabelos crespos. Parece que a indústria da beleza sempre consegue um jeitinho de fazer as mulheres pensarem que não são bonitas o bastante para consumirem mais cosméticos. Como resultado, as correntes são afrouxadas eventualmente, mas nunca partidas.

A experiência dos homens negros também é um excelente exemplo sobre essa relação de permissão limitada oferecida a quem tem cabelos crespos. A masculinidade tem padrões diferentes, por isso os homens negros podem escolher raspar a cabeça e deixar o cabelo tão baixo ao ponto de que sua textura se torne imperceptível. No entanto, no momento que um homem negro decide deixar o “black power” crescer, corre o risco de ter sua entrada barrada nos mais diversos ambientes e obter um emprego torna-se uma tarefa praticamente impossível. Mesmo os homens politizados e conscientes de sua negritude, que exibem seus cabelos afros com orgulho, acabam coagidos a diminuir o volume para conseguirem se manter empregados.

A verdade é que liberação racial contemplada em nossa sociedade não passa de uma cortina de fumaça para disfarçar o racismo impregnado. São poucas as pessoas que aceitam os crespos e são poucos os tipos de cachos que são elogiados. Todos os dias, crianças e adultos com cabelos crespos e cacheados são humilhadas e pressionadas a fazer intervenções químicas. É importante lembrar que “metade de aceitação” não existe: a quebra de paradigmas acontece por completo, ou não acontece. Devemos celebrar os cabelos cacheados e não deixar que as diversas texturas dos fios negros sejam invisibilizadas e, literalmente, podadas por conceitos racistas de beleza.

O cabelo da mulher negra, especialmente, não é somente um símbolo de seu próprio empoderamento e identidade, é também uma fortaleza que outras mulheres negras percebem e adotam como extensão da conscientização política. Isso precisa ser preservado e não pode, sob hipótese alguma, encontrar limites.

* Foto de capa: Erykah Badu (Crédito: Divulgação)

Descubra qual é o seu tipo de cabelo crespo

Menina de 10 anos que se recusa a alisar o cabelo vira hit na internet

As lições de Carolina e seu cabelo crespo na escola

11 medidas para ter um cabelo crespo de dar inveja 

Tenho cabelo duro e sou linda! 

Cabelo afro contra o preconceito 

Documentário vai mostrar preconceito contra cabelo afrodescendente

O país onde os negros tem cabelos naturalmente loiros 

Fonte: Questão de Genero

+ sobre o tema

Janot pede arquivamento de inquérito contra candidato à prefeitura do Rio acusado de agredir a ex-esposa

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu nesta segunda-feira...

Ao não achar roupas de seu tamanho, mulher cria marca em Chácara Santana

Preta, gorda, evangélica e feminista. É assim que Evelyn...

Hoje na História, 1935, nascia Lélia Gonzalez

Lélia Gonzalez nasceu em 1º de fevereiro de 1935,...

Lugares de Fala

Dada a avalanche da mesma argumentação pobre e rasa...

para lembrar

Trabalho por conta própria com CNPJ cresce 36% entre mulheres pretas e pardas

Em um intervalo de dois anos, o trabalho por conta...

Viola Davis: ‘Fomos alimentadas com uma enorme quantidade de mentiras sobre mulheres’

A atriz Viola Davis, 50, está deslumbrante na capa da...

30 Prós e Contras de ter um cabelo cacheado crespo – brincando com os crespos

Achamos na página da Mariana Alves  os comics de prós...

TCC – Negras nas revistas de noivas

Oie! Finalmente consegui um tempo para postar a minha...
spot_imgspot_img

Órfãos do feminicídio terão atendimento prioritário na emissão do RG

A Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) e a Secretaria de Estado da Mulher do Distrito Federal (SMDF) assinaram uma portaria conjunta que estabelece...

Universidade é condenada por não alterar nome de aluna trans

A utilização do nome antigo de uma mulher trans fere diretamente seus direitos de personalidade, já que nega a maneira como ela se identifica,...

O vídeo premiado na Mostra Audiovisual Entre(vivências) Negras, que conta a história da sambista Vó Maria, é destaque do mês no Museu da Pessoa

Vó Maria, cantora e compositora, conta em vídeo um pouco sobre o início de sua vida no samba, onde foi muito feliz. A Mostra conta...
-+=