A África precisa chegar às salas de aula do Brasil, e isso já é obrigatório desde 2003

O que você aprendeu sobre a África durante a escola? Seu conhecimento sobre o continente — que tanto tem a ver com nosso povo, os brasileiros — no ambiente escolar foi além do comércio de escravos?

Por Gabriela Bazzo Do Brasil Post

MONTAGEM/FLICKR/ESTADÃO CONTEÚDO

Desde janeiro de 2003, é obrigatório pela lei 10.639 o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira em estabelecimentos públicos e particulares de ensino fundamental e médio.

No entanto, apesar da obrigatoriedade há mais de dez anos, acadêmicos apontam que ainda é preciso muito investimento em formação de professores, material didático e também desmistificação da cultura africana.

“O que a gente tem em relação ao ensino da História da África é que caímos em lugares muito comuns, aspectos muito folclóricos. Muito pouco se fala das outras coisas, como as contribuições científicas, tecnológicas e da participação dos negros na construção da sociedade”, explica o pesquisador Juliano Soares Pinheiro, mestre em Química pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), onde se dedica a pesquisara aplicação de elementos da cultura africana principalmente no ensino da disciplina.

A legislação prevê que os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira sejam ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, preferencialmente no campo das artes e da história.

Para a psicopedagoga Márcia Fiates, o cumprimento pleno da lei deve facilitar o processo de aprendizagem, especialmente para crianças de ensino fundamental, fase quando há a transição do raciocínio literal para o pensamento abstrato.

“Sempre que as crianças conseguem associar o que estão aprendendo em sala de aula com coisas do dia a dia, melhora a forma de aquisição e elaboração do conhecimento. No caso da África, há uma identificação muito maior, pois a criança vai encontrar muito mais elementos que tenham a ver com a realidade dela”, afirma Fiates, em entrevista ao Brasil Post.

Pinheiro afirma que, para mudar o cenário nas escolas brasileiras, é preciso investir primordialmente na formação de professores.

“É necessário romper essa única visão eurocêntrica e monocultural em que nossa base curricular é calcada, em referências brancas, masculinas e europeias. Acho que um caminho é formar professores que sejam aptos para lidar com essas relações culturais.”

Roberto Dalmo, professor da Universidade Federal Federal do Tocantins (UFT) e blogueiro do Brasil Post, trabalha com a formação de professores. Na avaliação dele, o ensino das questões étnico-raciais pode ser tratado inclusive no campo das ciências.

Enquanto trabalhava na educação básica, ministrando aulas de Ciências, o docente abordou o tema “religiões afro” em sala de aula. No dia seguinte, foi demitido.

Ao começar a trabalhar com pedagogia no ensino superior, no entanto, Dalmo se deparou com um cenário muito diferente:

“Essa questão étnico-racial tem uma aceitação boa por parte dos alunos, não como um principio de solidariedade com o outro que é diferente, mas com um princípio de reconhecimento e afirmação de sua própria identidade. Essa questão, quando trabalhada em alguns centros, funciona e tem um aspecto de empoderamento daquele estudante enquanto estudante e da sua prática de futuro professor. É um jogo duplo.”

Segundo Pinheiro, o cumprimento da lei com mais rigor pode reduzir os níveis de evasão escolar. “Isso beneficiaria alunos excluídos no processo por não se identificarem com a base curricular atual, além de trazer diversidade aos outros, um ponto fundamental. Dessa forma, os alunos começam a se enxergar como atores do processo de aprendizagem.”

Pinheiro trabalhou, em sua pesquisa de mestrado, na produção de materiais didáticos de Química que traziam a história africana na hora de abordar temas como a alotropia e a extração de diamantes. Ao estudar a composição das soluções, os alunos se deparam com a culinária afro-brasileira.

A psicopedagoga Márcia Fiates vê esse tipo de conteúdo não só como uma forma de melhorar o processo de aprendizagem, mas também como uma maneira de driblar as dificuldades estruturais presentes em muitas escolas brasileiras. “Especialmente na área de Química isso é muito eficaz, em vez de trabalhar apenas com códigos e tabelas. Além disso, nem todas as escolas têm um laboratório à disposição, e esse tipo de relação entre as disciplinas leva algo de concreto para um aprendizado que seria puramente teórico”, defende.

Embora ainda haja muito para ser feito, Roberto Dalmo, da UFT, mantém uma visão otimista sobre o assunto:

“Para mim é uma questão de tempo [introduzir cultura afro-brasileira na educação], pois a mentalidade da população não se modifica com tanta facilidade como uma tecnologia qualquer. Para mim, estamos no caminho certo. O que falta é ampliar essa rede, pois temos pontos isolados de práticas bem sucedidas, mas ainda falta um coletivo que se junte em prol dessas questões.”

“A formação de professores é o primeiro start para isso e, a partir daí, precisamos fazer funcionar na escola, que eu entendo como uma instituição nesse processo de romper”, conclui Juliano Soares Pinheiro, da UFU.

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