‘A arquitetura é branca, elitista e machista’

Arquiteta Gabriela Matos lançou um mapeamento on-line para divulgar e potencializar o trabalho das mulheres negras; em agosto será lançada a primeira revista brasileira sobre o tema

Gabriela Matos criou o projeto “Arquitetas Negras”, que terá como ação inicial a produção da primeira revista brasileira com conteúdo pensado e produzido exclusivamente por elas /Foto: Arte de Lari Arantes sobre foto de divulgação
 Você conhece alguma arquiteta negra? Já viu em alguma mostra ou publicação? Era a pergunta que Gabriela Matos se fazia. Negra, formada pela PUC de Belo Horizonte e pós-graduada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e exercendo a atividade há dez anos, a mineira não encontrava outras profissionais como ela no mercado de trabalho e nos meios que frequentava. Ao se incomodar com a ausência, ela lançou, ao lado da recifense Bárbara Oliveira, um mapeamento on-line no início do ano passado, que busca encontrar, catalogar, divulgar e potencializar o trabalho de mulheres negras nas áreas da arquitetura, design e urbanismo.
Até o final de 2018, mais de 330 arquitetas negras se cadastraram na plataforma. Assim surgiu o projeto “Arquitetas Negras”, que terá como ação inicial a produção da primeira revista brasileira com conteúdo pensado e produzido exclusivamente por arquitetas negras. A verba para publicação veio por financiamento coletivo.

— A arquitetura é branca, elitista e machista. É algo que temos que levantar a discussão. As pessoas precisam se atentar na academia sobre a ausência dos negros nas faculdades. E quanto mais a gente fala, mais contribui. Ou então as pessoas normalizam e não movem estrutura. O apagamento das arquitetas negras é fruto do racismo e machismo estrutural que vivemos na sociedade brasileira — defende ela.

Uma pesquisa do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU) de março deste ano mostra que o  país tem 167.060 arquitetos e urbanistas ativos e registrados. A maioria, 63,10% (105.420), são mulheres , enquanto 36,90% (61.640) são homens. A parcela de mulheres entre estudantes é bem maior: 67%

— É uma questão de gênero também. Mesmo sendo a maioria, as referências desta área são sempre homens brancos — relembra.

Ao se apresentar como arquiteta, Gabriela estranhava o frequente olhar de estranhamento e a consequente pergunta: “mas você trabalha com arquitetura?”. Ao começar a fazer levantamento, ela descobriu que a sua realidade era distante da maioria das graduadas negras. Muitas profissionais nunca conseguiram trabalhar em um escritório de arquitetura.

 

— Me considero uma pessoa privilegiada, pois sempre exerci a arquitetura desde quando me formei, há 10 anos. Sei que esta não é a realidade das outras arquitetas negras — analisa ela, que tem passagens por três prefeituras mineiras com foco em urbanismo.

Os dados mostram também a importância das políticas afirmativas de acesso às universidades — como cotas raciais e ProUni  — já que a maioria das formadas identificadas são recém-formadas ou graduadas há pouco tempo — salienta. São poucas as que se identificaram no levantamento com mais de dez anos  de trabalho na área ou graduação.

 

— Chegamos em uma mostra, não nos reconhecem como arquitetas. Acreditam que somos secretárias ou assistentes. Nada contra, mas ocupamos outros lugares também. Nunca foi fácil para a população negra ter acesso à educação. Aí, consegue passar por um curso que é elitista, difícil de ser concluído, já que o material é muito caro e, na hora que chega ao mercado de trabalho, é apagado, como se nada que tivesse feito importasse — lamenta.

Em sua opinião, o mercado da arquitetura está ficando cada vez mais seletivo por conta da assimilação de novas tecnologias. A grade das faculdades oferece a base. Para o uso de softwares da área, o estudante deve procurar cursos externos e bancar do próprio bolso. Os alunos de baixa renda não conseguem ter esta complementação no currículo e são descartados nos processos seletivos.

Por este motivo, depois do lançamento da revista, previsto para agosto, o “Arquitetas Negras”, em parcerias com outras instituições, planeja promover cursos de capacitação para facilitar o acesso do estudante aos softwares de arquitetura.

— Estamos nos articulando para botar esta discussão na prática e fazer a diferença na vida das pessoas — diz ela, que também pretende criar um site do projeto com referências das profissionais e bibliografias.

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