Arquiteta Gabriela Matos lançou um mapeamento on-line para divulgar e potencializar o trabalho das mulheres negras; em agosto será lançada a primeira revista brasileira sobre o tema
— A arquitetura é branca, elitista e machista. É algo que temos que levantar a discussão. As pessoas precisam se atentar na academia sobre a ausência dos negros nas faculdades. E quanto mais a gente fala, mais contribui. Ou então as pessoas normalizam e não movem estrutura. O apagamento das arquitetas negras é fruto do racismo e machismo estrutural que vivemos na sociedade brasileira — defende ela.
Uma pesquisa do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU) de março deste ano mostra que o país tem 167.060 arquitetos e urbanistas ativos e registrados. A maioria, 63,10% (105.420), são mulheres , enquanto 36,90% (61.640) são homens. A parcela de mulheres entre estudantes é bem maior: 67%
— É uma questão de gênero também. Mesmo sendo a maioria, as referências desta área são sempre homens brancos — relembra.
Ao se apresentar como arquiteta, Gabriela estranhava o frequente olhar de estranhamento e a consequente pergunta: “mas você trabalha com arquitetura?”. Ao começar a fazer levantamento, ela descobriu que a sua realidade era distante da maioria das graduadas negras. Muitas profissionais nunca conseguiram trabalhar em um escritório de arquitetura.
— Me considero uma pessoa privilegiada, pois sempre exerci a arquitetura desde quando me formei, há 10 anos. Sei que esta não é a realidade das outras arquitetas negras — analisa ela, que tem passagens por três prefeituras mineiras com foco em urbanismo.
Os dados mostram também a importância das políticas afirmativas de acesso às universidades — como cotas raciais e ProUni — já que a maioria das formadas identificadas são recém-formadas ou graduadas há pouco tempo — salienta. São poucas as que se identificaram no levantamento com mais de dez anos de trabalho na área ou graduação.
— Chegamos em uma mostra, não nos reconhecem como arquitetas. Acreditam que somos secretárias ou assistentes. Nada contra, mas ocupamos outros lugares também. Nunca foi fácil para a população negra ter acesso à educação. Aí, consegue passar por um curso que é elitista, difícil de ser concluído, já que o material é muito caro e, na hora que chega ao mercado de trabalho, é apagado, como se nada que tivesse feito importasse — lamenta.
Em sua opinião, o mercado da arquitetura está ficando cada vez mais seletivo por conta da assimilação de novas tecnologias. A grade das faculdades oferece a base. Para o uso de softwares da área, o estudante deve procurar cursos externos e bancar do próprio bolso. Os alunos de baixa renda não conseguem ter esta complementação no currículo e são descartados nos processos seletivos.
Por este motivo, depois do lançamento da revista, previsto para agosto, o “Arquitetas Negras”, em parcerias com outras instituições, planeja promover cursos de capacitação para facilitar o acesso do estudante aos softwares de arquitetura.
— Estamos nos articulando para botar esta discussão na prática e fazer a diferença na vida das pessoas — diz ela, que também pretende criar um site do projeto com referências das profissionais e bibliografias.