A contemporaneidade no pensamento de Boaventura de Sousa Santos

por Carlos Martins

Boaventura de Sousa Santos é professor de sociologia da Universidade de Coimbra, Portugal e professor visitante na Universidade de Wisconsin – Madison (Estados Unidos). Seu pensamento é muito conhecido na América Latina, principalmente no Brasil. Autor de Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade (Cortez, 1995) e A gramática do tempo: para uma nova cultura política (Cortez, 2006).

Um dos mais importantes autores da atualidade que discute os desafios presentes na contemporaneidade assim também como as perspectivas que a realidade atual aponta. Sua análise do contemporâneo está focada, entre outras questões, no fenômeno mundial da globalização apresentando uma leitura inovadora sobre os aspectos que estão no entorno desse evento histórico.

Desejo aqui levantará alguns pontos importantes para o debate acerca do pensamento de Santos a partir de uma entrevista que ele concedeu a revista científica Currículo Sem Fronteira (2003), onde discute várias questões que perpassam a contemporaneidade: multiculturalismo, local e global, movimentos sociais, etc.

Sua produção intelectual tem como foco discutir a contemporaneidade a partir de um ponto de vista que procura apresentar uma necessidade de construção de novos paradigmas científicos a fim de explicar a relação entre o local e o global numa perspectiva multiculturalista emancipatória. Assim, discute a globalização focando seus dois aspectos, os quais ele chama de “hegemônico” e “contra-hegemônico”. O primeiro apresenta-se na forma de capital global que procura estabelecer os princípios de mercado e do acumulo de riqueza por alguns países hegemonistas; o segundo aspecto se refere a diversas formas de contraposição a este modelo atual de relação de produção, associando experiências locais articuladas numa rede global configurando-se numa alternativa ao modelo vigente.

Em entrevista a revista Currículo sem Fronteiras, Santos (2003, p. 9), afirma que “se nós analisarmos a maior parte dos grupos que estiveram em Seattle ou em Praga, e que têm vindo a conduzir aquilo que a gente chama de globalização contra-hegemônica, veremos que estão normalmente ancorados em lutas populares, em cidades concretas, em comunidades rurais concretas espalhadas por todo mundo. É a partir dessa ancoragem local que eles se abrem em redes e em fluxos com outros grupos semelhantes em outros países do mundo, e é aí que eles articulam suas redes globais. O que significa, portanto, que o local é neste momento o outro lado do global e vice-versa.”

Na percepção de Boaventura de Sousa Santos é evidente a formação de uma ação de iniciativas populares de questionamento e critica a ordem estabelecida que, ao mesmo tempo, em que promovem um contraponto à ordem atual se articulam numa imensa rede globalizada que produz uma configuração de contra-hegemonia ao outro modelo de globalização.

O local, aqui, funciona como pedra fundamental de uma nova estrutura social capaz de repensar as relações sociais a partir de novos paradigmas e de uma visão cosmopolita impregnada de trocas de experiências vivenciadas e compartilhadas com outras localidades.

Essa visão cosmopolita vai, entre outros aspectos, resignificar os espaços locais e produzir uma percepção do local articulada ao global. Nessa perspectiva podemos sugerir, então, que o global é o local articulado.

Para Santos (2003), o Fórum Social Mundial constitui-se exatamente nessa articulação do local ou dos locais numa tentativa de se contrapor ao Fórum Econômico Mundial onde se discute, sob a égide, da economia os destinos da humanidade.

A globalização dessa contra-hegemonia ocorre no campo de uma produção alternativa que propõe uma democracia participativa, um novo multiculturalismo, uma defesa dos direitos humanos, da biodiversidade, da propriedade intelectual, dos direitos indígenas e numa nova perspectiva do internacionalismo operário.

Outro aspecto apresentado por Santos, no que se refere à discussão em torno da contemporaneidade, está relacionado ao surgimento de uma nova concepção multiculturalista de ver o mundo. A concepção multiculturalista conservadora, colonialista e eurocêntrica compreendia que os diversos povos possuíam costumes e modos de vida diferentes que a dos colonizadores. No entanto, essa compreensão efetivava-se sob um olhar etnocêntrico, ou seja, da superioridade étnica dos colonizadores em relação aos colonizados.

Isso se remete a outra característica do multiculturalismo conservador que diz respeito ao fato de que o étnico nunca é o branco – étnico é sempre as outras culturas colonizadas, nunca o branco.

O terceiro aspecto que também deve ser considerado é que na concepção multiculturalista tradicional não existe incompletude e trata-se, portanto, de uma cultura que reúne em si as características avançada e superior. É a cultura da universalidade, deste modo, sem particularismo. Essas características lhe dá o direito de subjugar outros povos que não se enquadram no modelo cultural eurocêntrico.

O multiculturalismo conservador é, para Santos (2003, p. 12), “um multiculturalismo que mesmo quando reconhece outras culturas, assenta-se sempre na incidência, na prioridade a uma língua normalizada, estandardizada, que é a língua oficial”.

Já o multiculturalismo emancipatório centra-se numa concepção pautada na política de igualdade e no respeito às diferenças. Nesse sentido, espera-se que a consideração de igualdade entre os povos proporcione uma redistribuição social do ponto de vista econômico e que o principio de equidade assuma um caráter ideológico e prático, Santos (2003).

Entretanto, Santos faz um alerta de que as lutas sociais na contemporaneidade pautadas nesse principio não devem produzir uma separação que, à principio, pode parecer legítima, contudo, desembocar num separatismo ou mesmo num certo tipo de apartheid, não no que ele se tornou, mas no sentido do que ele deveria ter sido.

É evidente a posição de Santos em relação ao modelo de ação dos movimentos sociais. Seu posicionamento contrário ao isolamento nas lutas populares reflete implícita ou explicitamente uma ideia de que este método de organização é falho. Para ele as atividades reivindicatórias desses movimentos devem ser efetivadas de forma conjunta, sem perder o principio da coletividade: o problema de um é o problema de todos. Uma “inteligibilidade” entre as ações dos movimentos, ou seja, uma articulação entre os Sem Terra e o Movimento Social Negro, o Movimento de Mulheres e o de Juventude, a causa Indígena e o movimento dos Sem Teto, etc. Uma grande articulação que possibilite a interação e diálogos entre os diversos movimentos projetando uma grande rede dando vozes aos variados grupos sociais. A este projeto Santos deu o nome de “As Vozes do Mundo”.

A contemporaneidade pensada por Boaventura de Sousa Santos aponta para uma nova ordem social a partir das lutas sociais, da invenção de novos paradigmas científicos capazes de explicar os novos fenômenos sociais que desafiam as Ciências Sociais e que coloca em xeque os métodos conservadores de análise do social.

REFERÊNCIAS

GANDIN, Luís Armando; HYPOLITO, Álvaro Moreira. Dilemas do nosso tempo: globalização, multiculturalismo e conhecimento (entrevista com Boaventura de Sousa Santos). CURRÍCULO SEM FRONTEIRAS, v. 3, n. 2, pp. 5-23, jul/dez 2003. Disponível em: Acesso em 15 dez. 2011.

SOARES, Rosana de Lima. Ausência e emergências: produção do conhecimento e transformação social. MATRIZES, n. 1, pp. 231-235, out. 2007. Disponível em: Acesso em 15 dez. 2011.

Fonte: Correio de Alagoas

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