Claudia Calmon * andré lázaro **
Rio de Janeiro, outubro de 2013
O perfil do estudante das universidades públicas brasileiras1 tem se modificado paulatinamente, após a adoção de ações afirmativas que viabilizaram o acesso ao ensino superior de negros e de pessoas oriundas dos estratos mais baixos da sociedade brasileira. A Lei 12.711/20122, sancionada em 28/08/2012, objetivou uma reparação histórica ao instituir a reserva de vagas para estudantes de escolas públicas, negros e indígenas nas instituições públicas federais de ensino superior. A legislação olha o passado para mirar o futuro: promover maiores oportunidades para grupos historicamente ex- cluídos e assim tornar a sociedade brasileira menos injusta. A recente legislação tem na trajetória dos grupos marcados pela exclusão social a sua própria justificativa e o mérito de contribuir para que a universidade pública se aproxime de expressar a pluralidade étnica e cultural do país.
A universidade é o espaço privilegiado para produção de conhecimentos, novas tecnologias, inovação e também de produção e reprodução de poder. Por isso, o debate acadêmico ganha maior legitimidade e eficácia quando diferentes grupos participam deste espaço, expondo seus pontos de vista como atores e interlocutores, não tão somente, como objeto de estudo.
Longe de se pretender uma divisão binária da sociedade brasileira entre negros3 e brancos ou estimular “disputas raciais”, os números coletados em 1997 pela Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD), expressam claramente um aspecto da desigualdade, a disparidade no acesso ao ensino superior no Brasil:
Grupo EstratéGico dE análisE da Educação supErior no Brasil
PerCentual de Pessoas de 18 a 24 anos que frequentam ou já ConCluíram a graduação – 1997
Renda domiciliar per capita |
20% de menor renda 0,5% |
20% de maior renda 22,9% |
Cor |
Brancos 11,4% |
Negros (pretos e pardos) |
Fonte: INEP, 2012
É patente serem os fatores cor e renda, determinantes para o ingresso dos jovens na universidade. A adoção de políticas públicas que corrigissem essas distorções se fez imperativa, tal a desigualdade no acesso à universidade no Brasil. Deve-se ao movimento negro a intensa mobilização que alcançou resultados importantes antes mesmo da legislação de- terminar a adoção de reserva de vagas para estudantes de escolas públicas, jovens de baixa renda, negros e indígenas. Em levantamento realizado em 20104, mais de 70% das Universidades Públicas do país (estaduais e federais) já haviam adotado alguma forma de ações afirmativas.
Os dados apresentados pelo INEP5 em 2011 confirmam dimensões e impactos dessas decisões. Em 1997, apenas 0,5% dos jovens (18 a 24 anos) do grupo 20% de menor renda frequentavam ou haviam concluído um curso de graduação. Em 2004, quando as ações afirmativas começam, essa proporção passa para 0,6%, mas em 2011, chega a 4,2%. Um aumento de 7 vezes no intervalo de 7 anos é bastante expressivo, mas insuficiente para reduzir a desigualdade, visto que a proporção de jovens do grupo de maior renda passa de 22,9 em 1997 para 47,1% em 2011. Observe-se que mesmo o forte crescimento do grupo de menor renda ainda é insuficiente para reduzir a desigualdade, que cresce de 22,4 pontos percentuais para 42,9 pontos percentuais.
Os mesmos dados do INEP revelam que a trajetória da população negra jovem adquiriu velocidade distinta. Em 1997, apenas 4% dos jovens negros (pretos e pardos) de 18 a 24 anos frequentavam ou haviam concluído o nível superior. Em 2011, essa proporção chega a 19,8%. A diferença com relação ao grupo da população branca era de 7,4% em 1997, alcança 8,1% em 2004 e se reduz para 5,8% em 2011. Ainda há muito a fazer para alcançar a igualdade, mas os dados confirmam que a luta do movimento negro tem produzido resultados para toda a população.
A mudança introduzida pela Lei 12.711/12 já pode ser percebida pelo aumento do número de inscritos no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em 2012 e 2013:
Cor/ Raça |
INSCRIÇÕES 2012 |
INSCRIÇÕES 2013 |
% CRESCIMENTO |
Amarela |
132.324 |
159.633 |
21% |
Branca |
2.421.487 |
2.837.064 |
17% |
Indígena |
35.756 |
46.563 |
30% |
Negros (pretos e pardos) |
3.094.545 |
4.006.425 |
29% |
Não declarada |
107.220 |
123.889 |
16% |
TOTAL |
5.791.332 |
7.173.574 |
24% |
A tabela nos permite identificar que a elevada taxa de 24% de crescimento no total das inscrições é impulsionada pelo aumento de 29% de inscrições dos negros (pretos + pardos). Nas inscrições de 2012, os negros representavam 53,4% e em 2013 a participação sobe para 55,6%. Importante notar que a disputa para vagas em instituições públicas deve se tornar ainda mais acirrada exatamente para a população atendida pelas cotas. Vale registrar também a elevação da participação de candidatos indígenas. Ainda que o número absoluto seja pequeno, ele representa 0,65% dos inscritos, proporção superior à participação indígena na população brasileira, que é de 0,4%. A questão indígena, no entanto, não pode ser analisada sob o prisma quantitativo e demográfico, vista a expressiva diversidade cultural e lingüística dos povos indígenas que habitam o território brasileiro, como registrou o Censo da População indígena do IBGE 20106.
Sujeitos de Direitos: A Questão dos Negros
Na minha sala éramos 49, somos 53 alunos. Se fosse colocar assim, bem negro, do cabelo, negro completo somos só 5 e os outros são brancos. 7
A presença de um grande contingente de negros nos estratos mais baixos da sociedade brasileira associado à baixa escolaridade desse grupo é uma questão que mereceu análises por parte de cientistas sociais de diferentes hostes. Florestan Fernandes, por exemplo, ainda nos anos 1970 acreditava que com o crescimento industrial do Brasil o negro8 finalmente seria inserido naquilo que chamou de “sociedade de classes”, passando a usufruir de oportunidades sociais conferidas aos brancos, herdadas do passado escravocrata do país.
A tese de Florestan Fernandes não se confirmou, com os negros ocupando níveis de escolaridade, renda e em- prego muito inferiores aos dos não negros, apesar do crescimento econômico do país9. O preconceito racial e a ausência de políticas públicas que promovessem a inserção social efetiva dos negros se impuseram aos avanços na área econô- mica, constituindo-se em elementos decisivos para que esse grupo ocupasse a base da pirâmide social, engrossando estatísticas negativas.
O fator escolaridade que poderia contribuir para diminuir a distância entre os dois grupos, inversamente reproduz e amplia a desigualdade presente na sociedade10. Nas primeiras etapas de formação escolar, o problema já se evidencia com uma alta taxa de evasão entre os alunos de baixa renda, entre os quais os negros são a maioria. Muito antes de sequer sonharem com a universidade esses jovens interrompem os estudos a fim de contribuir na composição da renda familiar. Em outros casos, o abandono precoce da escola ocorre após sucessivas reprovações na educação básica. Mesmo aqueles que conseguem completar o ensino médio, “optam” por trabalhar, engrossando as estatísticas que transformam a universidade em uma simples abstração para um contingente expressivo da sociedade brasileira.
Grupo Estratégico de análise da Educação superior no Brasil
Apesar de a formação escolar não garantir o ingresso no mercado de trabalho, o ensino precário e a inexistência de uma qualificação específica, indubitavelmente, levam à subocupação e ao desemprego. Um ciclo perverso se repete, então, na trajetória da população negra, aliando pobreza, baixa escolaridade e exclusão social.
A exclusão que atinge a população negra foi alvo de críticas por parte do movimento negro, que atuou (e atua) no com- bate ao preconceito racial e se organizou politicamente propondo medidas que mudassem essa realidade social. As legislações que alteraram a Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9394/1996 11, a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial em 2010, são frutos da mobilização desses grupos assim como mudanças de orientação na política nacional de educação.
Sujeitos de direitos: Os Indígenas
A escola foi inserida na vida dos povos indígenas como parte do processo de dominação dos colonos portugueses, sendo sua principal função substituir a cultura nativa, vista como bárbara, e impor a língua, a religião e os costumes portugue- ses. Este modelo educacional procurou destruir a cosmogonia indígena e a sua relação com a aprendizagem, processada no cotidiano, despida de castigos e hierarquias. Os modelos educacionais implantados durante o império e boa parte do período republicano mantiveram-se fieis ao princípio da assimilação do índio à sociedade envolvente.
A reação indígena à imposição de uma educação tutelar demarcou direitos na Constituição Federal de 1988. A pres- são de lideranças indígenas e de grupos aliados às suas lutas reformulou o modelo da educação escolar indígena. A Carta Constitucional reconhece o direito do ensino na língua falada pelas etnias indígenas, o respeito às formas de aprendizagem estruturadas pelas próprias comunidades, seus projetos de futuro e também à diversidade cultural desses povos.
As conquistas alcançadas em 1988 ainda são uma bandeira de luta dos povos indígenas, pois muitas delas não sa- íram do campo das possibilidades. O que está em jogo não é mais a aculturação pretendida no passado, mas a ampliação de oportunidades para que as comunidades indígenas, segundo os próprios critérios de cada uma delas, possam ter percursos educacionais de acordo com seus projetos societários. Assim, para muitas comunidades o acesso à universidade se tornou fundamental para a apropriação dos mecanismos de saber/poder que elaboram leis, produzem teorias sobre a sua cultura e desenvolvem projetos que afetam diretamente o seu cotidiano.
A legislação e sua prática
Transformar a universidade pública em um espaço mais inclusivo e democrático certamente foi o maior ganho intro- duzido pela Lei 12.711/2012. A aprovação em 28 de dezembro de 2012, do Aviso-Circular Conjunto no 01, estabelecendo a inclusão do quesito raça/cor nos registros administrativos do Governo Federal tornou possível conhecer em maiores detalhes as condições de vida de negros e índios, contribuindo para o desenvolvimento de políticas públicas direcionadas para a re- dução das desigualdades em nossa sociedade, que afetam em maior proporção estes grupos.
A meta de alcançar 12,5% das vagas para as cotas definidas na Lei 12.711/2012, no primeiro ano subsequente a sua implementação, foi em muito superada se considerarmos a média das instituições federais. As universidades atingiram 32,5% e os institutos 44,2% do total de vagas. Contudo, instituições universitárias localizadas nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, constam entre as que menos disponibilizaram vaga nos termos da legislação:
No Caso do Rio de janeiro e São Paulo, temos a seguinte Composição Populacional:
Estado |
% Negros (pretos e pardos) |
% Amarelos ou indígenas |
Rio de Janeiro Grande Rio |
43,7 44,4 |
0,4 0,5 |
São Paulo |
34.1 44,1 |
1,4 2,0 |
Fonte: IBGE, PNAD, 2009
Observa-se que nos dois estados a população negra é bastante representativa. Os números revelam que quase me- tade da população nas duas regiões é formada por negros. Em que pesem os problemas enfrentados por pretos e pardos no ensino fundamental e médio, já apontados, existem potenciais candidatos a vagas nas universidades fluminenses e paulistas. Em levantamento recente, o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA)12 mostrou que a população negra concentrada no sudeste corresponde a 42,3%, porém o índice de inclusão racial na região, por meio das cotas nas universidades federais, é de apenas 0,12%!
Os baixos índices na adoção de políticas de ação afirmativa no sudeste se tornam ainda mais graves, se considerar- mos que no estado de São Paulo estão localizadas as universidades mais bem cotadas no ranking de publicações científicas aferidos pelo Sir World Report13. A lógica do ranqueamento de instituições acadêmicas em geral ignora princípios de justiça
e equidade e nem mesmo questiona o quanto essas instituições reproduzem desigualdades que deveriam se comprometer a combater. A Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), a Universidade Estadual de São Paulo (UNESP) e a Universidade Federal do ABC (UFABC) foram as que tiveram melhor desempenho entre as nacio- nais avaliadas14. Entre as citadas, apenas a UFABC é federal, portanto, está obrigada ao disposto na Lei 12.711/20012. A luta dos movimentos negro e indígena para que as estaduais paulistas adotem ações afirmativas vem conquistando vitórias sucessivas, mas ainda pequenas se forem consideradas as proporções da população negra que habita o estado. Recente- mente o governo do Estado, em resposta à política federal expressa na Lei 12.711/2012, enviou às universidades paulistas uma proposta de política de inclusão – o Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista (Pimesp)15. O programa tem sido duramente criticado pelos movimentos sociais e membros da academia, visto apresentar características apontadas como segregacionistas.
As regiões sul e o sudeste concentram as melhores universidades públicas do país, com a USP ocupando o pri- meiro lugar, seguida da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)16. Uma das críticas mais comuns às políticas de ação afirmativa alega a queda de qualidade nas universidades que será ocasionada pela entrada de alunos cotistas. As pesquisas mostram que o rendimento dos alunos cotistas em instituições universitárias tem sido em geral, superior aos do não-cotistas. Todavia, isso parece não ser o suficiente para quebrar as resistências e o preconceito contra o ingresso desses alunos nas universidades públicas com maior destaque acadêmico. Ao contrário do que se pode supor, instituições que cultivam o espíri- to científico não têm sido capazes de considerar as muitas evidências dos benefícios das ações afirmativas para implementar políticas de inclusão. Evidências e preconceitos ainda disputam a consciência dessas instituições.
Com relação aos índios, a presença maior desse grupo é na região norte do país, onde o índice de inclusão também é surpreendentemente baixo, se igualando ao do sudeste, apenas 0,12%!Urge, portanto, a adoção de medidas que incluam efetivamente o indígena nas universidades, levando em conta a singularidade das distintas culturas indígenas:
(…) exige-se das IES [Instituições de Ensino Superior] conhecer o mundo indígena e problematizar, desnaturalizar e desconstruir classificações historicamente construídas de subalternização e de confinamento no local e no particular da ciência indígena, entendendo que essas classificações são, ainda, marcas da colonialidade (Walsh, 2009. Apud BRAND; OLIVEIRA, p. 93).
Nas carreiras mais valorizadas socialmente, como medicina, direito, arquitetura e engenharia, por exemplo, o per- centual de alunos cotistas ainda é tímido e reflete a baixa presença de profissionais dessas áreas, oriundos das classes populares, no mercado de trabalho brasileiro:
No hospital, às vezes, se você não está com o estetoscópio no pescoço, aí neguinho — Ah, não é médica. Se você está de branco no ponto de ônibus, as pessoas pensam que você faz qualquer coisa menos Medicina (…) passa tudo na cabeça das pessoas, até pai-de-santo, esteticista, cabelereira, enfermeira, entendeu? Mas, médica? Ninguém. É incrível, né, como essas coisas fazem a diferença? (TEIXEIRA, 2003, p. 134). Aluna de Medicina
O esforço recente do governo brasileiro de trazer médicos estrangeiros para atender municípios distantes e sem cobertura de saúde motivou reações extremadas. Em comentário no twitter, uma jornalista potiguar afirmou que a aparência
das médicas cubanas, muitas das quais negras, assemelhava-se a de empregadas domésticas, revelando o preconceito e o olhar viciado de muitos ao associar negros ao exercício de profissões braçais e subalternas. A questão é que este mesmo olhar não pode estar presente em instituições públicas, transmutadas em notas de corte que visam estabelecer um perfil para alunos de cursos, em geral, frequentados por pessoas de maior poder aquisitivo.
No trabalho de Teixeira (2003), há o relato de um estudante que não suportou o preconceito e a discriminação racial sofrida na faculdade de arquitetura e decidiu mudar de curso. O caso foi relatado por uma aluna do curso de ciências, que passou a ser colega de classe desse aluno:
(…) Você batalha pra caramba para passar pra um vestibular de Arquitetura e depois muda para Ciên- cias Sociais? (…) A professora de sociologia falou: ‘Você está louco?’ (…) Aí ele falou: ‘Ah, professora. Arquiteto negro nesse país não tem chance, não! (Idem, pp. 170-171)
Este relato expõe a necessidade do enfrentamento do preconceito e da discriminação racial desde o ensino básico, pois a existência de “profissões brancas” e de “profissões negras” não pode ser visto como um processo natural, relacionado unicamente à capacidade intelectual de cada indivíduo. A questão não é opor brancos, negros e indígenas, mas levá-los a refletir, ainda na escola, que em uma sociedade pluriétnica como a brasileira, deve haver maior equilíbrio e justiça na distri- buição dos papeis sociais. É preciso desconstruir a hierarquização de saberes, dando ao aluno a oportunidade de conhecer e valorizar as diferentes formas de produção de conhecimento.
Estudo a partir de dados do questionário sócio-econômico do segundo ciclo do ENADE demonstra como as escolhas profissionais de nossos estudantes estão previamente marcadas por determinações sociais:
“Fica clara a forte correlação entre os indicadores sócio-econômicos dos estudantes dos diferentes cursos (…). O estudante de Medicina, por exemplo, em 67% dos casos tem pai com instrução superior, vem de família das duas faixas de renda mais elevadas (70%), frequenta um dos cursos com o mais alto percentual de brancos (76%) se origina da escola do ensino médio privado em 81% dos casos
e é o que menos trabalha (8%). Já no outro extremo, somente 7% dos estudantes de Pedagogia têm pai com escolaridade superior. Em 79% dos casos o estudante de Pedagogia é estudante trabalhador, em 95% dos casos ele não tem pais com alto rendimento, o seu curso tem percentual de brancos muito próximo ao da população brasileira (57%) e a sua origem escolar é em 88% dos casos o ensino médio público. Com pequenas variações, este quadro se repete para os demais cursos, o que nos leva a inferir que a origem social e a situação econômica da família do estudante é sem dúvida um fator determinante na trajetória do jovem brasileiro pela educação superior e, por isso mesmo, deve estar na base das políticas públicas de inclusão dos grupos historicamente excluídos”17
A expansão das instituições federais de nível superior, Universidades e Institutos, é uma oportunidade para colocar em prática políticas afirmativas, tanto aquelas orientadas pela nova legislação como as oriundas de aprendizados que as pró- prias instituições alcançaram a partir de suas iniciativas e interações com os grupos sociais locais. O relato que se segue, da Universidade Federal do Recôncavo Baiano, demonstra o quanto a vontade política pode realizar quando se trata de enfrentar desigualdades históricas e preconceitos arraigados.
Mais do que ajustes legais, é necessário que a Universidade expresse o seu significado e busque representar efeti- vamente o conjunto da população. Afinal, o conhecimento também se traduz na confluência de experiências e trajetórias di- versas que podem apontar para o desenvolvimento de tecnologias e políticas sociais que tornem a sociedade mais equânime
e permitam que os seus agentes façam livremente as suas escolhas, sem simplesmente ocupar um lugar social previamente determinado. Apenas assim, o Brasil superará a máxima cunhada pelo professor Florestan Fernandes da “exceção que con- firma a regra” (1972, p. 11), aplicada aos negros que conseguiam ascender socialmente.
BiBliOGRAFIA
BRAND, Antonio Jacó; CALDERONI, Valéria A. Mendonça de Oliveira. Povos indígenas e formação acadêmica: ambivalência e desafios. Currículos sem Fronteiras, v. 12, n. 1, pp. 85-97, Jan/Abr 2012.
FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: DIFEL, 1972.
IBASE. Educação escolar indígena em Terras Brasilis, tempo de novo descobrimento. Rio de Janeiro: IBASE, 2004.
IBGE. Censo Demográfico 2010; características gerais dos indígenas. Rio de Janeiro: IBGE, 2012.
INEP. Censo da Educação Superior 2011. Brasília, INEP, 2012.
LOUZANO, Paula. Fracasso escolar e desigualdade no ensino fundamental. In: TODOS PELA EDUCAÇÃO (Org.). De olho nas metas 2012. São Paulo: Ed.Moderna, 2012.p.114-125.
PAIXÃO, Marcelo (ET alli). Relatório anual das desigualdades raciais no Brasil: 2009/2010. Rio de Janeiro, Editora Garamond, 2010.
RISTOFF, Dilvo. O Perfil Sócio-Econômico do Estudante de Graduação. Cadernos do GEA n.o 4, Rio de Janeiro, FLACSO-Brasil, 2013.
TEIXEIRA, Moema de Poli. Negros na universidade: identidade e trajetória de ascensão social no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Pallas, 2003.
este texto é uma contribuição do autor ao projeto Grupo Estratégico de A
* Mestre em História Social pela UFF, Professora de História da SME/RJ e Coordenadora de Projetos no LPP/UERJ.
** Professor da Faculdade de Comunicação Social da UERJ. Pesquisador da FLACSO-Brasil, onde coordena o projeto GEA-ES, que tem apoio da Fundação Ford.
1 Os autores agradecem à estagiária do Projeto Discutindo a África na sala de aula, Luciane Ribeiro Domingues, que colaborou na pesquisa de dados.
2 A Lei 12.711/2012garantiu a reserva de cotas nas universidades federais e nos institutos federais de educação, ciência e tecnologia para alunos egressos de instituições públicas de ensino, cuja família possua renda igual ou inferior a um 1,5 salário mínimo per capita. A mesma legislação combinou a reserva de vagas para esses alunos com a criação de cotas para negros e indígenas, respeitando o percentual mínimo correspondente ao somatório desses grupos em cada localidade, conforme o quantitativo tabulado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a renda familiar anteriormente citada.
3 Adotou-se neste artigo a classificação utilizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que inclui pretos e pardos na categoria negros.
4 Ver GEMAA, apresentação no Seminário 10 anos de Cotas, disponível em: http://www.flacso.org.br/gea/documentos/seminario_10_anos/Apresenta- cao_Joao_Feres_Jr.pdf
5 Ver: INEP, 2012.
6 IBGE, 2012.
7 Depoimento de um aluno do curso de Ciências Contábeis de uma universidade pública (a pesquisadora não citou o nome da instituição), colhido em
1994 pela pesquisadora Moema de Poli Teixeira in TEIXEIRA, Moema Poli. Negros na Universidade, Rio de Janeiro: Pallas, 2003, p. 111.
8 Para Florestan Fernandes a desigualdade vivida pelo negro estava relacionada a sua condição social, não se tratando, portanto de um problema racial. Para Florestan, um branco que enfrentasse as mesmas condições de vida do negro, também era visto de forma preconceituosa, como um não branco. Ou seja, a classe social determinava a forma como o indivíduo era percebido pela sociedade.
9 Conferir Paixão, 2010.
10 A pesquisadora Paula Louzano (LOUZANO, 2012) identificou a partir de dados constantes da Prova Brasil, que alunos negros matriculados no ensino funda- mental, em escolas da rede pública, têm desempenho mais baixo que os brancos. A pesquisadora atribuiu este fato às condições socioeconômicas dos alunos e a fatores relacionados ao preconceito, com professores deixando esses alunos perceberem suas baixas expectativas em relação a eles.
11 A Lei 10.639/2003 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação incluiu no currículo escolar brasileiro o ensino da história da África, da cultura afro-brasileira e dos negros. A contribuição dos africanos no campo da linguística, religiosidade, metalurgia, medicina, agricultura, entre outros, foram elididos durante muitos anos no ensino de história no país. Paralelo a isso, uma série de estereótipos foram construídos em torno da África, associada à pobreza e ao subdesenvolvimento. O papel do negro, relacionado apenas à escravidão e à sujeição, traçavam os contornos do quadro negativo que alimentava o racismo e solapava a autoestima das crianças negras. Daí a importância da inclusão destes conteúdos no currículo escolar. Posteriormente, a Lei 11.645/2008 incluiu também o ensino da cultura indígena, deslocando o índio do papel passivo, entronizado na literatura escolar tradicional, e reconhecendo-lhe protagonismo.
12 Disponível em http://gemaa.iesp.uerj.br/. Consultado em: 16/09/2013.
13 O Sir World Report é um relatório produzido anualmente pelo Scimago Institutions Rankings, com o objetivo de avaliar o desempenho de instituições de pesquisas de todo mundo e o impacto de sua produção acadêmica.
14 Disponível em http://agencia.fapesp.br/17749. Acesso em 09/10/2013.
15 PIMESP foi lançado em 20 de dezembro de 2012, pelo governador de São Paulo e desenvolvido pelo Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp).
16 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2013/09/1339013-sul-sudeste-tem-19-das-25-melhores-universidades-do-pais.shtml. Acesso em 09/09/2013.
17 RISTOFF, 2013.
Fonte: Flacso