A crise climática também é uma crise de gênero

17/11/25
  • Sob qualquer ângulo de análise das desigualdades, mulheres e meninas estão entre as mais afetadas pelo aquecimento global
  • Brasil entende que é preciso transversalizar o tema de gênero em todas as frentes de negociação

Esta semana marca o início da etapa de alto nível das negociações da COP30. Um dos avanços que buscamos é a aprovação de um novo Plano de Ação de Gênero da Convenção do Clima (Gender Action Plan –GAP, na sigla em inglês), com medidas concretas para integrar a perspectiva de gênero na ação climática global.

Sob qualquer ângulo de análise das desigualdades, mulheres e meninas estão entre as mais afetadas: têm menos acesso à terra e ao crédito; recebem salários menores; são maioria no mercado informal; assumem a maior parte do trabalho de cuidado não remunerado; e enfrentam violências em razão de seu gênero.

O mesmo ocorre diante da crise climática: os impactos recaem de forma desproporcional sobre elas, ampliando vulnerabilidades e desigualdades. Ao mesmo tempo, justamente pelo papel que desempenham em suas comunidades, as mulheres são agentes fundamentais na construção de soluções sustentáveis.

O tema de gênero foi introduzido nas negociações climáticas em 2001, com foco em ampliar a participação das mulheres nos processos decisórios. Em 2014, o Programa de Trabalho de Lima sobre Gênero (LWPG) consolidou o tema na agenda da convenção do clima.

Após sucessivas renovações, no ano passado, na COP29 de Baku, foi aprovada extensão de dez anos de mandato específico —o que garante continuidade às negociações sobre gênero no regime do clima, em um contexto global com riscos de retrocesso no tema.

Na COP30, em Belém, o Brasil trabalha pela aprovação de um novo e ambicioso GAP. Queremos aproximar o regime climático da vida real de mulheres e meninas, sobretudo as mais vulneráveis. É preciso reconhecer que a mudança do clima não afeta todas as pessoas da mesma forma. Condição socioeconômica, raça, etnia, identidade de gênero, orientação sexual, deficiência e idade —fatores conhecidos como interseccionalidades— determinam diferentes níveis de exposição e vulnerabilidade.

O Brasil defende o reconhecimento do papel das mulheres e meninas afrodescendentes na ação climática. Não é possível combater a crise climática sem enfrentar, ao mesmo tempo, a desigualdade de gênero, o racismo, a fome e a pobreza, nem sem reduzir as disparidades existentes dentro e entre as nações.

Para o Brasil, a justiça climática é indissociável da luta contra o racismo e todas as formas de exclusão. Por isso, graças à liderança brasileira, o rascunho do novo GAP inclui, pela primeira vez no regime do clima, menção a mulheres e meninas afrodescendentes.

Para além do GAP, o Brasil entende que é preciso transversalizar o tema de gênero em todas as frentes de negociação. Mais de uma década após o lançamento do mandato de Lima, a integração da perspectiva de gênero nas políticas e negociações climáticas ainda está longe de ser plena. Persistem lacunas e desequilíbrios na participação decisória.

Enquanto gênero for tratado como um item isolado da agenda, nenhuma COP poderá cumprir integralmente a promessa de justiça climática. Enfrentar a crise do clima significa, necessariamente, enfrentar as desigualdades de gênero com um olhar transversal, inclusivo e interseccional.


Vanessa Dolce de Faria – Alta Representante para Temas de Gênero no Ministério das Relações Exteriores

Liliam Chagas – Diretora de Clima no Ministério das Relações Exteriores

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