A força das nossas ancestrais

Movimento das mulheres negras reúne 50 mil pessoas em Brasília; um exército de rainhas, guerreiras, empoderadas

Por Juliana Gonçalves, do Calle2

Mar de cores, orquestra de sorrisos, mulheres coroadas, crespas, livres. O que foi a Marcha das Mulheres Negras? Foi o uníssono de 50 mil vozes. Um exército de mulheres negras rainhas, guerreiras, empoderadas.

Foi o vigor da juventude combativa, foi a sabedoria das mais velhas.  Um grupo com passos largos, saltitantes.  O outro, ritmado, vagaroso para não cansar, afinal a caminhada era, foi e ainda será longa.

A marcha emergiu forças ancestrais que vieram do além mar. Foi a sensação de estar em casa depois de um dia difícil, de uma vida difícil de quem teve seus parentes capturados, presos, estuprados e escravizados.

“Deixa, deixa, hoje não vamos falar em dor”, brandou uma marchante, para quem a marcha foi pura vida.

Mais para frente, outra retrucou “A nossa dor é o que somos, com tanta morte como marchar com alegria?”. Para essa, a marcha foi uma romaria, um cortejo em homenagem aos nossos filhos mortos. Nossos filhos são mortos.

A ideia surgiu da ativista negra Nilma Bentes, uma das fundadoras do Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará (Cedenpa). Só uma mulher negra para imaginar o valor de uma marcha nacional contra o racismo e subalternização secular vivida por negras no Brasil há 400 anos.

Entidades nacionais do Movimento Negros acreditaram no desafio de impulsionar a marcha e estimular que cada estado tivesse também a sua organização.

A Marcha das Mulheres Negras foi concebida, planejada e realizada por mulheres negras. Foi feita para fortalecê-las, empoderá-las e dar visibilidade para suas especificidades. Todos/as foram bem-vindos/as, mas o protagonismo foi da mulher negra que sempre foi figura essencial na luta pela emancipação do povo negro no Brasil, porém, o machismo e sexismo as coloca nos bastidores dos espaços de poder. Pilastra sustentadora que sempre aguenta o peso, mas nunca é apoiada e pouco sai na foto. Não existe Movimento Negro sem as mulheres. A marcha possibilitou a demonstração dessa força política que somos nós.

A marcha reivindicava nosso direito à vida, à liberdade, à dignidade. A marcha foi o dia que mostramos que somos fortes, sobreviventes. Dia de saudar toda a energia feminina. Todas as divindades do panteão religioso africano e afro-brasileiro como os orixás femininos, chamadas de yabás. Nanã à frente, representando nossa memória ancestral;  Oxum e Iansã em seguida, porque mesmo para guerrear é preciso ter amor.

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Juliana Gonçalves

É jornalista que brinca de poetizar. Escreve textos inteiros na sua cabeça para depois sentar e digitar. Mulher negra em movimento, tem uma porção de amigos, pouco dinheiro e muitos sonhos. O maior deles é ajudar na construção de uma sociedade menos desigual para seu filho Akins Samuel.

 

 

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