Nota do Instituto de Estudos Socioeconomicos (INESC) sobre a polêmica em torno do PNDH
As elites, eternamente privilegiadas, só se lembram do significado do termo “democracia” quando se sentem atacadas em seus velhos privilégios. Aí há uma grita geral, “olha o autoritarismo aí”, “estão instalando uma ditadura”, entre outros argumentos.
Seria engraçado se não fosse perverso, pois quando as estatísticas apresentam, por exemplo, a enorme desigualdade social separando ricos e pobres, a enorme concentração de renda colocando a maior parte do Produto Interno Bruto nas mãos de poucos privilegiados, não se vê grita alguma, nem por parte da elite, nem por parte da grande mídia.
No entanto, quando se trata de uma tentativa,- discutida amplamente com a sociedade civil-, de se estabelecer parâmetros de respeito aos direitos humanos, incluindo a grande diversidade de gentes que compõem a sociedade brasileira, o burburinho fica tão alto que parece até vindo de grande parte da população. Mas não, está vindo dessa minoria privilegiada, que por sê-lo, também possui lugar de fala privilegiado, ou seja, a grande mídia que se faz onipotente e onipresente e se diz “democrática”, porém, com muito medo de sofrer controle social, para o qual, quando dirigido a si, dá o nome de “volta da ditadura”.
A grita geral é direcionada ao Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) lançado em 21 de dezembro ( segundo seus críticos “no apagar das luzes do ano de 2009”). E apesar de dizerem que foi elaborado pelo governo apenas, a verdade é que é fruto de ampla discussão com a sociedade civil. Suas diretrizes foram aprovadas na 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos e tiveram como parâmetro as resoluções de cerca de 50 outras conferências setoriais tais como saúde, direitos das mulheres, igualdade racial, crianças e adolescentes, cidades, educação, segurança alimentar, segurança pública dentre tantos outros temas que compõem a teia dos direitos humanos.
As conferências, suas resoluções e os planos advindos delas são frutos de uma árvore chamada democracia participativa, que apesar de sofrer os reveses de um Estado patrimonialista, gera bons frutos por meio da participação de parte da sociedade que reivindica participar de forma mais contundente do que apenas em momentos eleitorais. Até por saber que uma democracia participativa forte melhora a qualidade da democracia representativa.
Apesar de o plano conter seis eixos orientadores, várias diretrizes e objetivos que abarcam o extenso universo dos direitos humanos, a crítica restringiu-se a pontos que a senadora Kátia Abreu (DEM/TO), em manifestação defendendo o interesse dos ruralistas, chamou de demônio ou complexos do governo Lula. Mas, na verdade, são os tabus que não foram resolvidos ao longo dos oito anos de governo, por afetarem diretamente a parte privilegiada que usufrui do Estado patrimonialista há 510 anos.
Os pontos mais criticados dizem respeito às concessões para rádio e televisão; intensificação de mecanismos de democracia participativa tais como plebiscitos, referendos, leis de iniciativa popular; reformulação da legislação sobre planos de saúde; financiamento público de campanha; mudanças nas regras para reintegração de posse de terras, taxações de grandes fortunas, descriminalização do aborto, união civil homossexual, abertura dos arquivos da ditadura etc. Que ao contrário do que dizem os críticos, não são iniciativas governamentais em resposta ao que o próprio governo se recusou a fazer nos 7 anos de mandato, mas sim pressão dos setores organizados da sociedade reivindicando que este e outros governos que virão coloquem o dedo nas feridas expostas, que acentuam as desigualdades e os preconceitos e que, infelizmente, o atual governo recusou-se em trazer à luz do dia para resolvê-las.
E como bem disse a presidenta do Chile Michele Bachelet acerca do esclarecimento dos fatos ocorridos na ditadura daquele país: “as feridas devem ser lavadas para que possam cicatrizar”.
Cleomar Manhas – assessora do Inesc