A guerra suja do FBI contra Martin Luther King

O discurso “I have a dream”, de Martin Luther King Jr. feito na Marcha sobre Washington, em 1963, marcou um ponto alto na história norte-americana. Foi um momento de ascensão, no qual a alma do movimento dos direitos civis foi desnudado para o país, enquanto Luther King, bravamente, reconhecia os desafiadores obstáculos ao progresso, ele também expressava um otimismo de que a justiça, no fim de tudo, reinaria. Houve, no entanto, um lado sombrio no evento, pois este acionou uma reação suja e brutal, vindo de uma das mais poderosas instituições do planeta. Em resposta ao discurso de Luther King, J. Edgar Hoover, o onipotente diretor do FBI, intensificou a guerra clandestina da polícia federal dos EUA contra o heroico líder dos direitos civis.

Hoover esteve, durante anos, preocupado – ou obcecado – com Luther King, enxergando nele uma profunda ameaça à segurança nacional. O diretor do FBI temia que a “conspiração” comunista, a qual estava comprometido a esmagar (fosse ela real ou não), era a mão invisível por trás do movimento de direitos civis, que estava sendo usado para subverter a sociedade norte-americana. Focando em Stanley Levinson – um assessor de King que esteve anos antes envolvido como Partido Comunista – Edgar Hoover, em 1962, convenceu o procurador geral, Robert F. Kennedy, a autorizar o grampo no telefone e escritório de Levison, que falava regularmente com King. Foi então que Hoover, como Tim Weiner escreveu em Inimigos, sua obra-prima sobre o FBI, passou a “bombardear” o presidente John F. Kennedy, seu vice Lyndon Johnsson, junto de Robert Kennedy e outros líderes dentro do Congresso, com material de espionagem “crua (sem verificação real) sobre King, Levison o movimento dos direitos civis e a subversão comunista”. A prioridade na missão de Hoover era desacreditar King perante os mais altos oficiais do governo dos EUA. Apesar de King ter diminuído seus contatos com Levison – após ambos JFK e RFK terem alertado King de sua associação com comunistas – Hoover continuou disparando memorandos, destaca Weiner, “acusando King de um papel principal na conspiração comunista contra a América”.

A Marcha de agosto de 1963, a que cativou a imaginação de muitos norte-americanos, enlouqueceu ainda mais Hoover e seus assessores mais próximos. No dia seguinte ao discurso, William Sullivan, um alto oficial de Hoover, destacou em um memorando: “À luz da poderosa demagogia do discurso de King, nós devemos marcá-lo agora como o mais perigoso Negro (conotação pejorativa nos EUA) para o futuro dessa nação do ponto de vista do comunismo, dos Negros e da segurança nacional”. Seis semanas depois, pressionado por Hoover, Robert Kennedy autorizou total vigilância eletrônica sobre Luther King. Agentes do FBI colocaram microfones em seus quartos de hotel; grampearam seus telefones e instalaram equipamentos de vigilância em seu apartamento em Atlanta. As informações coletadas através da espionagem foram sobre as estratégias e táticas do movimento dos direitos civis – e também sobre suas atividades sexuais. Hoover ficou furioso com as atividades privadas de King e, em certo ponto, de acordo com o livro de Weiner, enquanto discutia o assunto com um assistente, um injuriado Hoover despedaçou com um soco uma proteção de vidro que havia sobre sua mesa de escritório.

Pouco mais de um ano após a Marcha e depois de King ter recebido o Prêmio Nobel da Paz, Hoover disse a um grupo de repórteres que King era “o mais notório mentiroso do país”. Mas a guerra do FBI contra ele era mais suja do que xingamentos, Weiner escreve:

[William Sullivan] tinha um pacote de gravações em vídeo de sexo de Luther King, preparado pelos técnicos de laboratório do FBI e, junto com uma carta difamadora, enviou para a casa de King. Sua esposa abriu o pacote. “King, olhe para dentro do seu coração”, dizia a carta. O povo americano descobrirá logo quem você realmente é: “uma besta anormal e diabólica. Só existe uma saída para você. É melhor você toma-lá antes que sua imagem imunda, fraudulenta e anormal seja exposta à nação”.

O presidente [Lyndon Johnsson] sabia que Hoover havia gravado as atividades sexuais de King. Hoover estava usando essas informações como maneira de desgraçar King junto à Casa Branca, o Congresso e em sua própria casa.

Pior, o FBI estava encorajando King a cometer suicídio.

A guerra suja do FBI contra Martin Luther King
O diretor do FBI, J. Edgar Hoover, junto do presidente John F. Kennedy (esquerda) e seu irmão, o procurador geral Robert F. Kennedy (direita) (Foto: Daily Mail)

Hoover continuou alimentando Johnson (que se tornou presidente após o assassinato de JFK em 1963) com informações, sugerindo que King era um fantoche comunista. Em 1967, quando o FBI montou uma operação para quebrar, desacreditar e neutralizar os chamados “grupos negros de ódio”, a agência focou na Conferência de Liderança Cristã no Sul, onde Hoover culpou King, publicamente, por incitar afro-americanos a causar tumultos. No ano seguinte, King foi assassinado por James Earl Ray, que subsequentemente escapou de uma caçada humana do FBI, sendo capturado, dois meses depois, pela Scotland Yard, na Inglaterra.

Enquanto a Marcha de Washington é ainda relembrada, cinco décadas depois, deve-se destacar que o sucesso de Luther King ocorreu em face de direta e ilimitável oposição de forças de dentro do governo dos EUA, acima de tudo, de Hoover, que não hesitou em abusar de seus poderes e usa-los de maneira sórdida e legalmente questionável para uma vingança contra Luther King.

Hoje, o quartel-general do FBI, no centro de Washington, é oficialmente chamado de Edifício J. Edgar Hoover, nomeado em homenagem ao paranoico chefe que caçou King e fez todo o possível para frustrar o movimento dos direitos civis. Em anos recentes, críticos propuseram apagar o nome de Hoover, mas o quartel-general ainda não foi “deshooverizado”. No final de 2012, foi reportado que os escritórios do FBI, que passou por reformas, podem ser demolidos para que um novo QG seja construído em outro lugar da cidade. Se assim o for, seria adequado que Hoover fosse levado junto com os escombros. Afinal de contas, há uma boa razão para que os norte-americanos hoje se lembrem – e celebrem  – as palavras e ações de King, enquanto a campanha suja e anti-americana contra King, permaneça nas sombras da História.

 

Por David Corn, em Mother Jones | Tradução: Vinicius Gomes

 

 

 

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