Numa sociedade historicamente estruturada em uma estrutura racista e discriminatória, baseada na exploração física e mental de grupos humanos minorizados e alienados de seus direitos mais básicos. Destituídos de sua própria condição de humanidade, em prol de uma ordem social instituída e mantida pelas dores e extermínio de suas populações oprimidas. Sendo que uma de suas maiores violências, se dá pela idealização de que somente as ditas elites possuem arcabouço cultural para produção de saberes e conhecimentos legítimos. Como se só a elas fosse dado, ou fosse permitido, a construção de narrativas articuladas baseadas em experiências de humanidades. Não havendo culturalidades e historicidades que se dão em outras lógicas, para além das normativas eurocêntricas, o único farol civilizatório legitimado em terras brasileiras.
E sabemos bem, que essa legitimação do eurocentrismo, acaba por constituir uma práxis de privilégios de cunho étnico-racial e social, ao qual hoje denominamos por branquitude. Em que o ideário de ser branco, ou buscar se aproximar e se legitimar enquanto tal – para ser referendado por esta lógica excludente racista – é a meta padrão de sociabilidade ao qual sempre se almeja atingir no Brasil.
Não sendo por acaso, as escritas que se dão nas esferas das crônicas, poéticas, ficcionais e românticas ou mesmo científicas, quando dadas por populações afrodescendentes e indígenas, a partir das diferentes humanidades das quais elas se originam e de que elas acabam por representar, acabam por ser desvalorizadas de suas virtudes, importâncias e significâncias. Estigmatizadas de não possuir qualquer valor ou simbolismo estético, de nenhum ou senso crítico. Conjunto de escritas que não podem nem ser consideradas enquanto literatura.
O que explica, a existência ainda aquém de autorias publicadas, que representem o “eu literário” negro, em primeira pessoa, em discursiva afirmativa. Um desinteresse do mercado literário nacional em publicar obras destes grupos humanos, a partir de temáticas oriundas ou problematizadas por seus olhares e perspectivas.
Uma pensata racista que atesta não haver escritas negras que possuam qualidade para serem publicadas. Lógica editorial guiada por uma mentalidade discriminatória. Cega, surda e insensível as manifestações e ocorrências de suas camadas populares.
Como se narrativas e autorias negras não despertassem interesse de público, nem do mercado editorial. Um elitismo que se perpetua inclusive no nicho das editoras independentes, mesmo entre as [auto]denominadas de cunho alternativo e progressista.
Realidade que situa as editoras negras em uma eterna busca por sanar as eternas dificuldades para obtenção de recursos, para o pagamento de direitos autorais, da impressão e distribuição de suas obras. Ao mesmo tempo em que buscam desenvolver um trabalho de curadoria centrado em (re)lançar autores-obras esquecidas, desconhecidas e de novidades literárias. Sem deixar de correr o risco em sofrer a perda de autorias e obras de seu catálogo para as grandes editoras. Agora preocupadas em pelo menos ter um livro de autoria afro-brasileira para “chamar de seu”, e assim ter sua chancela de capital social preenchida. Muito mais intencionadas em ter visibilizada uma pretensa e oportunista defesa pela diversidade/pluralidade bibliográfica, do que qualquer outra coisa!
Em suas resistências bibliográficas, mais necessárias do que nunca, “Ciclo Continuo Editorial”, “Dandara Editora”, “Editora Ogum’s”, “Editora Malê”, “Nandyala Livros”, “Mazza Edições”, dentre tantas outras editoras, entre a cruz e a espada do racismo estrutural nosso de cada dia, acabam por gerar um processo de fortalecimento constante e imbricado de visibilidade, circulação e recepção, tanto de seus livros, quanto das suas autorias. Assim buscando romper esse ciclo maldito de apagamentos e silenciamentos.
Para que dessa forma, nunca mais se fale por nós, se escreva por nós, ou pensem por nós!
Nunca mais…
Christian Ribeiro – Mestre em Urbanismo, professor de Sociologia da SEDUC-SP, doutorando em Sociologia pelo IFCH-UNICAMP, pesquisador das áreas de negritudes, movimentos negros e pensamento negro no Brasil.
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