A intervenção militar já chegou à periferia

Qualquer ataque à democracia atinge brutalmente os mais pobres. Mas é hipócrita falar em liberdades civis esquecendo que para dezenas de milhões elas já não existe

por Joselicio Junior do Outras Palavras

Invasão de casa sem mandato de segurança. Atira para depois saber se tem culpa ou não. Utilização do kit flagrante com arma raspada e drogas ilícitas para alterar a cena do crime. Certeza de impunidade com o uso do autos de resistência para justificar execuções alegando confrontos que não existiram. Formação de grupos de extermínio para  os comerciantes locais sem comprometer os acordos com o tráfico. Dura repressão aos populares que se rebelam indignados com as injustiças cometidas pela policia.

A Polícia Militar brasileira está entre as que mais mata no mundo. O Brasil em números absolutos é o pais que mais mata no mundo. Além de ser a 4ª maior população carcerária do mundo. É sempre bom reforçar que as principais vítimas são jovens entre 15 e 29 anos, 70% negros, moradores da periferia.

A quem interessa a intervenção militar?

A sociedade brasileira sempre esteve dividida. Entre os colonizadores e indígenas, entre os senhores de engenho e os escravizados, entre os latifundiários e os agricultores familiares. Essa divisão produziu um dos países mais desiguais do mundo. Onde 0,2 % da população detêm 40,8% da riqueza do país.

Onde 7 famílias controlam os meios de comunicação de massa. Um país que não fez reformas burguesas como a agrária, urbana e a garantia do bem estar social. As pequenas inflexões de garantias de direitos sociais e o mínimo de distribuição de renda causam arrepios em uma burguesia acostumada aos privilégios.

Privilégios que historicamente são mantidos a base do açoite, da repressão, das expedições bandeirantes, os capitães do mato, jagunços, guarda nacional, força pública, corpos militares de policia e Policia Militar.

É completamente distinto como as forças policiais agem nos bairros nobres e nos bairros periféricos. É completamente distinta a abordagem em um cidadão negro e em um cidadão branco, resquícios ainda do racismo científico que pré-determina um suspeito padrão que tem cor e classe social bem definida.

Em seu artigo publicado na Revista Fórum intitulado “Faxina étnica: projeto ideológico, ações políticas e interesses econômicos” o professor Dennis de Oliveira levanta um documento que foi escrito no final dos 1980 pela Escola Superior de Guerra, um dos principais centros de produção da ideologia da “segurança nacional”, intitulado “Estrutura do Poder Nacional para o século XXI – 1990/2000, década vital para um Brasil moderno e democrático” onde, segundo Oliveira, se destaca dois focos de possível desestabilização social: os cinturões de miséria e os “menores” abandonados.

O texto da ESG dá destaque a estes dois problemas porque entendia que haveria um crescimento exponencial das populações nos cinturões de miséria e dos menores abandonados caso não fossem contidos de imediato e poderiam constituir um grupo cujo efetivo poderia superar o dos contingentes militares. Por isto, propunha que as Forças Armadas deveriam servir de forças auxiliares para, na impossibilidade da contenção destes grupos por parte das polícias militares, a pedido do Executivo, Legislativo e Judiciário, “enfrentar esta horda de bandidos, neutralizá-los e destruí-los para que seja mantida a lei e a ordem”. (1)

Vale lembrar que é justamente na década de 90 que temos uma intensificação das ações da rota nas periferias de São Paulo, tão bem relatado pelas crônicas sociais através da música rap.

Mas recentemente assistimos, em nome da Copa do Mundo no Brasil, despejos, remoções e intervenções militares extremamente violentas, tudo para abrir caminhos para a especulação imobiliária e o livre comercio de empresas multinacionais que controlaram o país colocando em risco inclusive a soberania nacional.

Em um país onde falta direitos plenos ao conjunto da população com uma educação e saúde pública sucateadas, acesso as universidades restrito e elitizado, sem mobilidade urbana, não valorização da diversidade cultural, monopólio midiático e um sistema politico arcaico que fortalece a manutenção de oligarquias políticas sobra repressão e violência.

As periferias clamam por mais democracia. Qualquer retrocesso democrático atinge brutalmente os mais pobres, a defesa por valores democráticos deve esta na ordem do dia, mais ela deve estar combinada com mudanças progressistas no campo social e econômico.

Diante da crise política e econômica que o pais vem atravessando não podemos ter dúvida, impeachment sem nenhuma base concreta ou intervenção militar são golpismo. Por outro lado não podemos ser coniventes com a corrupção que deve ser investigada e os responsáveis punidos e mais que isso, é necessário uma radicalização da democracia, com maior participação popular. De imediato temos uma bandeira concreta, o fim do financiamento empresarial de campanha, que forma a base da corrupção.

Além disso, os setores populares precisam pressionar o governo para brecar os ajustes ficais que estão atingindo brutalmente a classe trabalhadora com as mudanças no seguro desemprego e nas pensões, sem conta a alta dos preços, aumento de tarifas que vem arrochando ainda mais os salário.

Esse cenário de crise intensifica a insatisfação popular que está sendo canalizada e potencializada pelas forças conservadoras em nosso sociedade, ganhando capilaridade inclusive nas periferias com fortes componentes ideológicos e inclusive religiosos.

Parece contraditório mais estamos vivendo um momento rico da dinâmica social, onde as pessoas estão mais atentas a política e na busca de informações e saídas. Não podemos menosprezar a onda conservadora que vem ganhando força. Porém, temos que ser ousados e disputar valores progressistas, emancipatórios, democráticos e de radical transformação social como a única saída possível para os que estão no andar de baixo.

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