A lógica perversa do racismo

Fonte: Sexo na Política –

No blog do PSDB do Rio Grande do Sul se pode ler esse post intitulado “Arreios à mão, para domar Stela”. O texto aponta o tratamento que deve ser dado a deputada Stela Farias que está a frente da CPI que investiga o governo de Yeda Crusius. A revista Rolling Stone desse mês traz uma entrevista cuidadosa e bem feita com Marina Silva, entretanto acompanhada de uma charge absolutamente ofensiva: Marina Silva está pendurada em um cipó com o rosto de macaco. Ambos os casos são sexistas, evidentemente. O último, além disso, expõe fortemente uma marca racista. Não vejo razão de Marina Silva ser transfigurada em um macaco. Se a intenção era explicitar sua defesa da Floresta Amazônica, ou era ilustrar o codinome dado a ela por Ziraldo de “doce senadora da floresta”, ou qualquer outro motivo que a vincule a defesa do meio ambiente, a ilustração é muito infeliz. Marina Silva é, evidentemente, negra. Ela se declara assim. Não bastou a palhaçada que envolveu Danilo Gentili ao comparar negro com macaco para parar com essas “piadinhas”. E, é claro, que se pode alegar dezenas de desculpas, dizer que não se pensou nisso, que não foi essa intenção. Mas não importa, é preciso que as pessoas pensem no que estão fazendo, nas interpretações que isso pode ter e deixar dessa bobagem de justificar como brincadeira. E pode chamar de patrulha, de politicamente correta. Está mais do que na hora de colocar os pingos nos is, está mais do que na hora de assumir politicamente o que se faz.

 

Lacan já disse que o futuro do mundo é o racismo (leia-se também sexismo, homofobia, etc) e que ele traria consigo um autoritarismo desmedido que só poderia acabar em extermínio. Racismo, para Lacan, é não deixar o outro ao seu modo de gozo considerando-o subdesenvolvido. Já Foucault analisa o racismo levado às suas últimas conseqüências. Esse dispositivo que é essencial para a articulação da normalização e da disciplina, faz cortes no interior do contínuo biológico a que se dirige o biopoder. Desse modo, classifica quem deve ou não entrar em uma comunidade através da sua qualificação, ou seja, do cumprimento ou não das estratégias de politização e normalização. Essa forma não guerreira e quase sutil que assume um combate não ao “inimigo político”, mas aos perigos da população identificados através da classificação das raças, revela a aceitabilidade de tirar a vida em uma sociedade de normalização. Se a biopolítica quer garantir seu direito de matar, pois o biopoder se funda na articulação das máximas “deixar viver e fazer morrer” e “fazer viver e deixa morrer”, ela tem que funcionar com os dispositivos do racismo. Assim, o sentido de retirar a vida se expande às mortes contemporâneas que já não ocorrem necessariamente na forma de um assassinato direto, mas também nas suas formas indiretas: a morte política, a expulsão, a rejeição, etc. O problema é que esses assassinatos indiretos, essas formas de desqualificação da vida, expandiram seus tentáculos para além do Estado. Basta pensar na diversão que virou assassinar homossexuais no Brasil. O racismo já não precisa mais da mediação estatal, já não é necessário que o Estado decida quem deve viver e quem deve morrer. Vivemos numa sociedade de controle cujos dispositivos de desqualificação se naturalizaram e se articulam sozinhos.

 

O sexismo é, portanto, uma forma de biopolítica, de disciplinamento, normalização e controle da vida que toma conta do imaginário social. Daí que não deveríamos nos espantar com a afirmação no blog do PSDB de “domar” a deputada Stela, “ela precisará ser polêmica, carrancuda, ditatorial, para chamar a atenção para si. A base aliada terá de ter determinação e firmeza para domá-la. Ou destituí-la, como concede o Regimento Interno da AL, ao qual ela tanto se agarra para justificar seu autoritarismo”. Essa amostra, junto com a caricatura de Marina Silva, representa a marca do racismo e, consequentemente do sexismo, naturalizado. Uma ânsia de desqualificação do outro travestida de ideologia política ou de ilustração. As coisas não parecem o que são, por trás de “não foi a minha intenção” existe uma lógica de aniquilação do sujeito, uma lógica perversa de extermínio que já não podemos olhar com ingenuidade. A guerra não declarada é a lógica do terror e do controle que, junto com a disseminação do racismo, inviabiliza a identificação do carrasco que, por sua vez, passa a ser confundido com a vítima. Essa zona cinza que nos assombra precisa ser repensada eticamente para que a lógica do desastre deixe de ser a regra.

Matéria original

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