A moção de recomendação ao governador do Estado para a recriação da secretaria de políticas para mulheres

09/12/25
Enviado para o Portal Geledés, por Eriane Pacheco e Izabel Belloc
O processo de incidência da Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa na mudança de rumos da política pública de enfrentamento às violências contra as mulheres, no Rio Grande do Sul
Este artigo foi escrito em memória de todas as mulheres gaúchas vítimas de feminicídio e as crianças gaúchas assassinadas ou órfãs em razão dele.

1 – Introdução

O ponto de partida dessa escrita são os feminicídios ocorridos durante o feriado da Páscoa de 2025, quando dez mulheres foram assassinadas em apenas quatro dias no Rio Grande do Sul. Esses crimes expuseram, de forma brutal, a insuficiência das políticas públicas de enfrentamento às violências contra as mulheres no Estado do Rio Grande do Sul.

O feriado da Páscoa de 2025 foi amargo e aterrorizante para as mulheres gaúchas. Em apenas quatro dias, dez mulheres foram assassinadas por seus companheiros porque contrariaram as expectativas masculinas de controle sobre seus corpos e vontades. Nenhuma delas tinha a Medida Protetiva de Urgência, criada há 19 anos pela Lei n.º 11.340/2006 – Lei Maria da Penha para proteger a mulher em situação de violência através do afastamento de seu agressor, justamente para ajudar a interromper o ciclo da violência doméstica e prevenir o feminicídio. Aqueles feminicídios deixaram muitas de nós em estado de alerta, para quem trabalha e/ou milita na defesa dos direitos das mulheres, apreensão, angústia, tristeza, indignação, impotência foram a tônica daqueles dias. 

Para nós, que trabalhamos na Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, não foi diferente. E estivemos, junto com as organizações sociais e outros órgãos públicos, no centro dos debates da crise das políticas públicas gaúchas de enfrentamento à violência contra as mulheres, as necessidades e suas possíveis respostas. É por isso que buscamos aqui registrar o processo pelo qual a Moção de Recomendação ao Governador, para a recriação da Secretaria de Políticas para Mulheres, proposta e articulada pela Deputada Bruna Rodrigues e assinada por 50 de 55 parlamentares da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, resultou no anúncio positivo do Governador de 25/6/2025.

A partir desse contexto, analisamos o processo de incidência da Procuradoria Especial da Mulher da Assembleia Legislativa (PEM/ALRS) que culminou na Moção de Recomendação ao Governador para a recriação da Secretaria de Políticas para Mulheres (SPM), aprovada por unanimidade em 2025. O artigo demonstra como a articulação entre técnica e política produziu efeitos concretos no ciclo de políticas públicas.

2 – A tradição da violência contra as mulheres gaúchas

Há mais de uma década o Rio Grande do Sul mantém altos os índices de violência contra as mulheres, especialmente violência doméstica e feminicídios. É preciso afirmar que os crimes da Páscoa não ilustram um aumento nesses tipos de crimes nos últimos anos, essa noção é equivocada. O que de fato ocorre é que os feminicídios da Páscoa colocam sobre a mesa da agenda pública gaúcha um problema público que, até ali, parecia importar só aos movimentos feministas e de mulheres do Estado. 

Os dados estatísticos produzidos pelos órgãos de segurança pública demonstram esse contexto, que ainda devem ser lidos considerando uma subnotificação de 58%, segundo pesquisa divulgada pelo Observatório da Mulher contra a Violência do Senado Federal, em 2024. Segundo os Indicadores da Violência Contra a Mulher – Lei Maria da Penha, divulgados pela Secretaria Estadual de Segurança Pública, os dados de ocorrências desse tipo de violência junto a seus órgãos são os seguintes:

Registros de Violência Contra as Mulheres – SSP/RS – 2012 a 2025

Femicídio TentadoFemicídio ConsumadoEstuproAmeaçaLesão Corporal
20121011.45444.96927.123
2013229921.44843.87926.137
2014286751.40744.77125.542
2015311991.47242.84124.533
2016263961.57439.60622.667
2017322831.66137.94622.960
20183551161.71237.62321.815
2019359971.71437.38120.989
2020318802.24633.75618.901
2021255962.45532.76218.007
20222631112.78331.38918.197
2023237852.77533.43919.908
2024235722.45731.45818.743
2025*134361.05415.8189.285
TOTAIS3.5671.13824.758462.669267.684

Fonte: elaboração própria com base nos Indicadores da Violência Contra a Mulher – Lei Maria da Penha (SSP/RS, 2025); *de janeiro a junho.

Já o DATAJUD – Base Nacional de Dados do Poder Judiciário, divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça, informa os dados referentes a novos processos e procedimentos judiciais a cada ano, por feminicídio e por violência doméstica, além das expedições de Medidas Protetivas de Urgência. No período de 2020 a 2025, os dados para o Estado são os seguintes:

Processos e Procedimentos Judiciais sobre

Violência Contra as Mulheres – RS – 2020 a 2025

ANONOVOS PROCESSOSEXPEDIÇÃO DE NOVAS MPUS
FEMINICÍDIOVIOLÊNCIA DOMÉSTICA
202017160.09314.979
202165562.59651.923
202274566.98953.752
202377776.96265.458
202491180.93168.021
2025*44638.89732.014
TOTAIS DO PERÍODO3.704386.468286.147

Fonte: elaboração própria com base nos dados do DATAJUD – Base Nacional de \Dados do Poder Judiciário (CNJ, 2025); *de janeiro a maio.

Nota-se uma enorme discrepância entre os dados do Poder Executivo e os dados do Poder Judiciário o que, num primeiro momento, revelam a desarticulação entre esses órgãos. E, logo, ficam demonstrados os altos índices de feminicídios e violência doméstica no Rio Grande do Sul. Segundo o DATAJUD, ainda, o RS é o terceiro Estado brasileiro que mais expediu Medidas Protetivas de Urgência em todo o ano de 2024, o que se repete em 2025 (até maio), ficando atrás apenas de SP e PR. 

É neste contexto que ocorrem os dez feminicídios durante os quatro dias do feriado da Páscoa deste ano. E, no mês seguinte, o feminicídio de Juliana Tais Mateus, 40 anos, assassinada a facadas pelo ex-companheiro, em Três Coroas, três dias após ter concedida a Medida Protetiva de Urgência e o agressor ter sido solto e dispensado do uso de tornozeleira eletrônica. Além de chocar pela quantidade em tão poucos dias e pela brutalidade, os crimes do feriado da Páscoa ajudam a perceber que a violência contra meninas e mulheres no Estado pode ser ainda maiores do que o registrado, dado que nenhuma delas possuía a Medida Protetiva de Urgência, nenhuma havia buscado os órgãos públicos, ilustrando uma muito provável subnotificação.

No caso de Juliana, a lógica é ainda mais perversa: Juliana seguiu as orientações divulgadas pelos órgãos e autoridades públicas, buscou a Delegacia de Polícia de sua cidade, denunciou a violência doméstica e a tentativa de feminicídio, teve a Medida Protetiva de Urgência concedida e foi assassinada três dias depois. Esse caso é a fotografia da falência do Estado, que conta com a legislação, mas negligencia a política pública que deveria efetivá-la. Para além da Medida Protetiva de Urgência, de forma suficiente e adequada, não há abrigo para que a mulher em situação de violência possa se afastar do agressor, não há Patrulha Maria da Penha que lhe garanta segurança, não há Centro de Referência que faça o acompanhamento multidisciplinar do caso; e, ao que parece, existem tornozeleiras eletrônicas para o monitoramento do agressor, mas elas não foram usadas nesse caso.

 Legislações, quando não acompanhadas de estruturas institucionais e recursos, tornam-se meros enunciados simbólicos, incapazes de romper o ciclo de violência que atravessa raça, classe e gênero.

3. A importância de uma Procuradoria Especial da Mulher no Legislativo

Na Assembleia Legislativa, a Procuradoria Especial da Mulher, criada há 10 anos como órgão de promoção e defesa dos direitos das mulheres gaúchas, havia trocado sua gestão em 18 de março deste ano, com a posse da Deputada Bruna Rodrigues, primeira mulher negra a conquistar uma cadeira no Parlamento gaúcho e a comandar o órgão especializado. A partir daí, foi composta a equipe, escolhidos os temas prioritários –entre eles o enfrentamento à violência contra as meninas e mulheres– e elaborado o planejamento dos trabalhos. 

No dia 16 de abril a Procuradora enviou solicitação de reunião ao Governador do Estado, que tinha por objetivo tratar das políticas para mulheres no Estado, uma vez que se tinha um diagnóstico inicial e se buscava abrir o canal de comunicação com o Poder Executivo a respeito da implementação dessas políticas. A reunião, porém, não foi agendada de pronto.

No dia 1º de maio, o jornal Zero Hora publica o artigo Feminicídio: RS em estado de emergência, de autoria da Deputada Bruna Rodrigues. A reunião extraordinária do Comitê Rede Lilás, realizada no dia 13 de maio na Assembleia Legislativa, por solicitação da Deputada Bruna Rodrigues, a recriação da SPM foi a principal demanda, sendo a Moção de Recomendação abordada e apoiada em várias manifestações. O debate daquela manhã escancarou a realidade: todas as manifestações continham relatos da quase total ausência das políticas para mulheres no Estado, da desarticulação e falta de coordenação da Rede Lilás. 

O Centro de Referência da Mulher Vânia Araújo, que chegou a ter 15 servidoras, serviço de vigilância e viatura, em 2013, hoje conta com 2 servidoras e tem horário de atendimento em horário comercial, de segunda a sexta-feira; as 114 Patrulhas Maria da Penha em funcionamento significam uma cobertura de menos de 23% do território estadual; há somente 23 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher – DEAMs, das quais apenas uma possui plantão 24h nos 7 dias da semana, as demais funcionam em horário comercial, de segunda a sexta-feira; e o Estado conta com 13 Casas Abrigos, o que cobre apenas 3% do território estadual. 

4. A escolha do instrumento: a Moção de Recomendação

No domingo de Páscoa em que alguns feminicídios são divulgados, a Deputada Bruna solicitou à equipe a elaboração de uma Nota Pública da Procuradoria a respeito, que foi divulgada nas redes sociais na segunda-feira. No decorrer da semana ela afirma na tribuna do Plenário da ALRS e nas redes sociais a gravidade da situação de violência contra as mulheres gaúchas e pauta a necessidade de declaração de Estado de Emergência pela Vida das Mulheres; o que é reforçado em sua participação no programa Conversas Cruzadas da RBS TV, no dia 23 de abril.

No dia 25 de abril, a Deputada Bruna reuniu a equipe da Procuradoria para discussão da situação e alinhamento das ações do órgão nos próximos dias. Uma de suas principais preocupações era a falência das políticas públicas que não foram capazes de alcançar e proteger aquelas mulheres que perderam suas vidas no feriado da Páscoa. A Deputada estava convencida, naquele momento, de que uma Secretaria de Políticas para Mulheres, caso existisse, teria a capacidade de coordenar e articular políticas de enfrentamento à violência de gênero, desde que nos mesmos moldes do órgão criado em 2011 e extinto em 2015; ou seja, de forma estruturada pelos recursos humanos, orçamentários e materiais especializados e necessários. E instou a equipe a encontrar a forma com que se poderia chegar à recriação da Secretaria. Algumas de nós chegamos a opinar pela impossibilidade da Procuradoria agir nesse sentido, uma vez que se tratava de órgão do Legislativo e a recriação de uma Secretaria de Estado ser de iniciativa legislativa exclusiva do Governador.

A Deputada, no entanto, não se contentou com nossa primeira opinião e insistiu para que encontrássemos uma alternativa viável que respeitasse as competências privativas do Governador. Os dias seguintes foram de trabalho de pesquisa técnica da equipe e de articulação política da Deputada Bruna que, conversando com parlamentares, obteve o entendimento inicial, de boa parte da situação e da oposição, pela necessidade de uma Secretaria de Políticas para Mulheres como resposta à crise vivida no Estado. Em nova reunião da Deputada com a equipe avaliou-se que o instrumento correto para externar aquela concepção de política pública, a partir do Poder Legislativo, era a Moção de Recomendação.

A moção é um instrumento político que, segundo o Glossário de Termos Legislativos da Câmara Federal, “visa expressar a manifestação da Casa Legislativa em razão de um fato que enseje repúdio, louvor, apoio, desconfiança, solidariedade, regozijo, entre outros”. Na concepção da Procuradoria Especial da Mulher da ALRS, a situação de crise conduzia ao pré-acordo pela necessidade de recriação da SPM, como articulado pela Deputada com parlamentares; e a via para fazer chegar ao Governador essa compreensão, sem invadir sua competência, era a Moção de Recomendação. O instrumento mantinha a ação parlamentar dentro das competências constitucionais do Poder Legislativo, que não incluem o desenho e implementação de políticas públicas diretas e permitia incidir politicamente sobre a ação necessária do Poder Executivo. 

Restava, então, redigir a Moção, que deveria conter o diagnóstico do problema público –os altos índices de violência contra as mulheres e o vazio de políticas públicas na área, no Estado– e a recomendação de adoção, pelo Governador, da resposta de política entendia como adequada –a recriação da Secretaria de Políticas para Mulheres. Com esse conteúdo e objetivo, a Moção de Recomendação pela recriação da Secretaria de Políticas para Mulheres no RS foi redigida em 29 de abril. No dia seguinte, durante a sessão plenária, a Deputada Bruna Rodrigues iniciou as tratativas com demais Deputadas e Deputados, obtendo as 20 primeiras assinaturas na Moção; o que é retomado na sessão plenária do dia 6 de maio, chegando a 46 assinaturas. No dia 13 de maio o documento obtém mais duas assinaturas e chega às 50 no dia 27 de maio. Nos meses seguintes, a Moção recebeu inúmeros apoios, em especial, de Câmaras Municipais do interior gaúcho, que formalizavam sua manifestação através de moções; e, em 5 de junho o Conselho Nacional de Direitos Humanos, reunido em sessão plenária ordinária, aprova apoio à Moção de Recomendação, por unanimidade.

Em paralelo, a Procuradoria Especial da Mulher focou seus esforços em ações sobre as políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres e em agendar reunião com o Governador para entregar-lhe a Moção de Recomendação. No dia 30 de abril, por ocasião da visita do Governador ao Parlamento, a Deputada Bruna conversa com ele e renova o pedido de agenda feito em 16 de abril. Em 11 de junho, durante roteiro da Procuradoria Especial da Mulher em Brasília, a Deputada Bruna se encontra com o Governador na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Federal e, ainda sem o agendamento da reunião solicitada, renova o pedido mais uma vez, através de um ofício entregue em mãos. A reunião finalmente é agendada para a semana seguinte, ocorre no dia 18 de junho, no Palácio Piratini, e a Deputada convida para a acompanhar as demais integrantes da Bancada Feminina da ALRS. Nessa ocasião, entregue a Moção de Recomendação, o Governador agendou um novo encontro para a semana seguinte.

No dia 25 de junho, a Deputada Bruna e as demais integrantes da Bancada Feminina da ALRS retornaram ao Palácio Piratini acreditando que se tratava de uma segunda reunião com o Governador. Lá chegando, são encaminhadas a um dos salões que encontram lotado de outras autoridades e pessoas dos quadros das Secretarias de Estado, na sua grande maioria mulheres. Para esse dia, o Governador realizou um evento para seu anúncio de recriação da Secretaria de Políticas para Mulheres, no qual apresentou o organograma e atribuições da pasta. O Projeto de Lei que propõe a recriação da SPM foi protocolado na Assembleia Legislativa no dia 11 de julho, sob o nº 276/2025, sendo aprovado por unanimidade no dia 28 de agosto. Em 24 de setembro, o PL é sancionado e a Lei nº 16.394/2025 é publicada. Passados 10 anos de sua extinção, período em que os movimentos feministas e de mulheres do RS persistiram na demanda por sua recriação, e após quase cinco meses da proposição da Moção de Recomendação pela Deputada Bruna Rodrigues, a Secretaria de Políticas para Mulheres volta a ser uma realidade no Rio Grande do Sul.

Fonte: Elaboração das autoras. 

5. Sem Orçamento não há Política Pública para Mulheres

É evidente o desmonte das políticas para mulheres através da desidratação do orçamento, que se materializa na insuficiência de equipamentos, na precarização dos serviços especializados, na ausência do Estado quando o assunto é o enfrentamento à violência contra meninas e mulheres. Paralelamente à articulação da Moção de Recomendação, a Deputada Bruna Rodrigues e a equipe técnica da Procuradoria Especial da Mulher tinham a preocupação com o orçamento público estadual para as políticas para mulheres. Pouco adiantaria alcançar o objetivo da Moção, a recriação da SPM, se não houvesse orçamento suficiente para a implementação das políticas públicas. No dia 2 de maio, na sessão plenária da Assembleia Legislativa, a Deputada denuncia a queda drástica nas previsões orçamentárias para políticas para mulheres, a partir da extinção da Secretaria de Políticas para Mulheres, em 2015, conforme análise da equipe técnica da Procuradoria Especial da Mulher da ALRS:

A análise orçamentária realizada pela Procuradoria Especial da Mulher buscou nos Projetos de Lei Orçamentária Anual para 2010 a 2025 a previsão de valores para as políticas para mulheres, destinados ao órgão do Poder Executivo estadual responsável pela promoção dos direitos humanos de meninas e mulheres –Coordenadoria da Mulher (2010), Secretaria de Políticas para Mulheres (2011 a 2014), Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos (2015 e 2016), Secretaria de Desenvolvimento Social, Trabalho, Justiça e Direitos Humanos (2017 e 2018), Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (2019 e 2020), Secretaria da Igualdade, Cidadania, Direitos Humanos e Assistência Social (2021 e 2022) e Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (2023 a 2025). 

Para estabelecer a comparação, os valores foram atualizados pelo IPCA, de janeiro do ano de cada previsão até janeiro de 2025. O resultado da análise fala por si e demonstra que a vontade política da gestão pública é fator decisivo para as políticas públicas para mulheres, uma vez que seu desenho e implementação dependem obrigatoriamente de previsão orçamentária, que tem a vontade política entre seus elementos determinantes. E, de fato, quando a Secretaria de Políticas para Mulheres foi uma realidade no Estado (2011 a 2014), se verificam as maiores previsões orçamentárias para os anos seguintes (2012 a 2015). A partir da criação da SPM, a previsão orçamentária passa de R$ 400 mil para R$ 10 milhões e logo para R$ 19 milhões, onde se mantem por três anos; com sua extinção em 2015, essa previsão cai drasticamente, chegando a vergonhosos R$ 27 mil em 2020. Neste ano de 2025, a previsão orçamentária de R$ 3 milhões não chega a um terço do menor valor anual do quadriênio de existência da SPM. 

Por essa razão e diante do desmonte das políticas para mulheres, em 10 de junho, a equipe técnica da Procuradoria Especial da Mulher elabora e a Deputada Bruna Rodrigues propõe Emenda à LDO com o objetivo de tornar prioritárias as políticas para mulheres na próxima LOA; emenda que infelizmente não foi aprovada pela Assembleia Legislativa. No dia 18 de setembro, o Governador enviou à Assembleia Legislativa o Projeto de Lei Orçamentária Anual para o exercício de 2026, anunciando o valor de R$ 18 milhões para a nova Secretaria e R$ 15 milhões para o monitoramento de agressores por meio de tornozeleiras eletrônicas. No dia seguinte, a Deputada Bruna Rodrigues, em entrevista a veículo de comunicação local, afirma que o valor está muito abaixo das expectativa. Na sua avaliação, o valor deveria se de, pelo menos, R$ 40 milhões ou R$ 50 milhões. Essa avaliação não arrisca um valor ao azar; a Deputada Bruna Rodrigues fundamenta sua afirmação na simulação do crescimento do orçamento para políticas para mulheres no Estado até 2026, caso tivesse sido mantido o ritmo impresso no período de existência da SPM, de 2011 a 2014, conforme elaborado pela equipe técnica da Procuradoria Especial da Mulher:

Com base nos mesmos dados orçamentários de 2011 a 2015, período em que o crescimento do orçamento para as políticas para mulheres é verificado, a equipe técnica da Procuradoria Especial da Mulher simulou a manutenção do ritmo desse crescimento. A simulação resulta numa previsão mínima de R$ 49 milhões, uma previsão média de R$ 66 milhões e uma previsão máxima de R$ 84 milhões. De fato, considerando o estado de emergência para a vida e segurança das mulheres gaúchas, bem como a situação de desmonte de equipamentos e políticas para mulheres, o valor anunciado pelo Governador do Estado para 2026 não é adequado.

No que se refere ao monitoramento de agressores por meio de tornozeleiras eletrônicas, política que, segundo a peça orçamentária para 2026, tem por objetivo “implantar sistema destinado ao monitoramento de agressores, para proteção de vítimas de violência doméstica (Lei Maria da Penha)”, apesar do valor previsto de R$ 15 milhões para o próximo ano, a execução orçamentária dos anos de 2024 e 2025 demonstra que a iniciativa, na prática, é limitada. Os mesmos R$ 15 milhões foram previstos para esses dois exercícios financeiros, sendo executados apenas R$ 650 mil em 2024 e pouco mais de R$ 2 milhões em 2025, o que equivale, respectivamente, a 4% e 14% do previsto. No caso de Juliana, que abordamos no início deste artigo, seu agressor chegou a ser preso em flagrante por tentativa de feminicídio, sendo solto três dias depois sem monitoramento, sem tornozeleira eletrônica, mesmo dia em que consumou o crime.

Mais uma vez, com o apoio técnico da Procuradoria Especial da Mulher da ALRS, a Deputada Bruna propõe emendas à LOA para 2026, na tentativa de aumentar a previsão orçamentária da nova Secretaria em R$ 10 milhões; e especializar, nos órgão de segurança pública de atendimento a meninas e mulheres em situação de violência – Patrulha Maria da Penha, Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher e Salas Lilás, parte dos recursos previstos para, respectivamente, a Brigada Militar, a Polícia Civil e o Instituto Geral de Perícias. Estas emendas buscavam minimamente fortalecer as políticas de enfrentamento à violência contra mulheres, uma vez que a previsão orçamentária não condiz com as necessidades da área. Com parecer pela rejeição, as emendas foram rejeitadas na Comissão de Finanças da Assembleia Legislativa no dia 13/11/2025 e em sua sessão plenária do dia 2/12/2025. 

6. Considerações Finais

A Moção de Recomendação que articulou e encaminhou este processo é um ato-fato público multifacetado que traduz o trabalho articulado entre técnica e política que acontece na PEM/ALRS: é documento técnico pelo seu conteúdo de diagnóstico de um problema público grave e de indicação da política pública que pode dar-lhe resposta; é também instrumento político pela articulação da Deputada Bruna Rodrigues, na busca e obtenção da adesão de 50 de um total de 55 parlamentares, através de suas assinaturas. A Moção de Recomendação tornou-se, assim, um ato do Poder Legislativo que expressa o entendimento da expressiva maioria do Parlamento gaúcho a respeito do tema. E é exemplo de política pública porque, apesar de não ter origem no Poder Executivo, mas provocando-o, fez dar início ao ciclo da política pública que pode resultar na efetiva recriação da Secretaria de Políticas para Mulheres no Rio Grande do Sul.

Esse processo evidencia como o Legislativo, quando há vontade política, pode incidir no ciclo das políticas públicas. A articulação liderada pela Procuradoria Especial da Mulher da ALRS transformou a indignação social em ação institucional, resultando na recriação da Secretaria de Políticas para as Mulheres. O Projeto de Lei que recriou o órgão foi sancionado pelo Governador do Estado na tarde do dia 24 de setembro, quando também foi anunciada a titular da pasta. Mas este processo não termina com essa sanção. Ainda há muito o que reconstruir em termos de políticas para meninas e mulheres no Rio Grande do Sul.

O ciclo das políticas públicas para mulheres deve ser dinâmico, consistente e perdurar enquanto houver desigualdade, discriminação e violência. Como costuma dizer a Deputada Bruna Rodrigues à equipe da Procuradoria Especial da Mulher, é preciso seguir a luta – técnica e política – pela destinação de recursos orçamentários adequados e suficientes para as políticas para mulheres e pelo desenho e implementação dessas políticas; para que, de fato, deem respostas à violência e façam a diferença na realidade das meninas e mulheres gaúchas, para assegurar que a nova Secretaria não seja apenas simbólica ou ficção. 

Afinal, é de recursos humanos, materiais e orçamentários que a nova pasta depende para ser efetiva na coordenação da Rede Lilás, na ampliação de equipamentos especializados e na implementação de políticas de prevenção, proteção e acolhimento. Enquanto persistirem desigualdades, discriminações e violências, a luta seguirá sendo técnica e política, como defendido pela deputada Bruna Rodrigues e a equipe da Procuradoria Especial da Mulher da ALRS: por uma política pública capaz de salvar vidas e garantir plenos direitos às mulheres gaúchas.


Eriane Pacheco – Assistente Social, Mestra em Políticas Sociais e Serviço Social pela UFRGS e Doutoranda em Ciência Política UFRGS. Sua trajetória profissional inclui atuação com pessoas em cumprimento de pena de prestação de serviços comunitários e com crianças e adolescentes em acolhimento institucional. Tem experiência como assessora parlamentar e dedica-se à pesquisa e à militância feminista e antirracista, com ênfase na análise de políticas públicas e na participação social. Atualmente, é chefe de gabinete da deputada estadual Bruna Rodrigues, da Bancada Negra.

Izabel Belloc – Mulher branca cis-heteronormativa; cidadã brasileira e uruguaya; advogada e ocupante do cargo efetivo de Analista Legislativa – Consultora da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, lotada na Procuradoria Especial da Mulher; bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS; mestra em Género y Políticas de Igualdad pela FLACSO Uruguay; doutoranda do Doctorado en Ciencias Sociales da FLACSO Argentina; integrante da Red de Politólogas #NoSinMujeres; pesquisa participação nos espações públicos de poder na América Latina, em perspectiva interseccional de etnia, raça e gênero.


** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE. 

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