Ele não quer falar de política. Está cansado da polarização, não quer dar opinião sobre o novo governo
Da FolhaPress
“A morte é uma coisa balsâmica”, diz Gilberto Gil a Arnaldo Antunes. “Ela coloca a finitude em perspectiva. Atenua os efeitos da continuidade”. Os dois artistas estão acomodados em cadeiras de aparência desconfortável, em frente a um fundo neutro. O cenário espartano realça o tom intimista de “Amigos, Sons e Palavras”, o talk show comandado por Gil, cuja segunda temporada estreia no dia 9 de setembro, no Canal Brasil.
Terminada a gravação do episódio, Gil conversa com a reportagem. Avisa que não quer falar de política. Está cansado da polarização, não quer dar opinião sobre o novo governo. Mas não se furta a responder sobre sua saúde.
“Ela está bem. Em conformidade com a idade”, afirma. Gil completou 77 anos em junho. Há cerca de dois anos, atravessou um período delicado, com insuficiências renal e cardíaca.
“O tratamento me deixou como herança uma medicação, que eu tomo todo dia. E não exatamente uma dieta, mas uma recomendação para evitar a proteína animal. Ela sobrecarrega muito os rins.”
Depois de um período no estaleiro, Gil voltou à ativa com o álbum “OK OK OK”, lançado em agosto de 2018, além do programa na TV e da rotina de shows.
“Na época dos discos ‘Refavela’ e ‘Refazenda’ [no fim da década de 1970], eu fazia de cem a 120 shows por ano. Agora são só 50 ou 60. Ainda é muito, mas é bem menos.”
Mas não foi a doença que o fez adotar uma atitude filosófica quanto à morte. “Essa conclusão vem de muito tempo. Vem da época em que eu convivia com o Smetak.”
Walter Smetak, morto em 1984, foi um músico, pesquisador e inventor de instrumentos suíço radicado na Bahia, adepto do esoterismo. “Ele me dizia: ‘Gil, medite sobre a morte todo dia’.”
Não é a primeira vez que Gil tem presença fixa em um programa de TV. Na verdade, ele começou a carreira em frente às câmeras. No início da década de 1960, era ele quem selecionava os calouros que se apresentavam no programa “J e J Comandam o Espetáculo”, atração das tardes de sábado da TV Itapoan, de Salvador. O próprio Gil acompanhava ao violão os candidatos.
“Apresentar o programa não é algo pelo qual eu anseie. Mas eu acabo gostando quando faço”, ri Gil. “Não fico com a obrigação do crivo analítico, jornalístico. Fico com a conversa, o contexto, as vivências que eu tive com o convidado. Deixo fluir.”
O papel que Gil tem nas mãos durante a gravação não é um roteiro. “É só um apanhado sobre o convidado. Eu fujo das perguntas sobre a vida pessoal. Prefiro saber como cada um se debruça sobre a existência, o trabalho, as questões da vida. Faço a eles as perguntas que eu faço a mim mesmo.”
O tom sóbrio do programa com Arnaldo Antunes se desanuvia no segundo episódio acompanhado pelo repórter, com Patricia Pillar. Ela e Gil têm uma ligação de longa data: um dos sobrenomes da atriz é Gadelha, o mesmo de Sandra, a primeira mulher do cantor, de quem Patricia é sobrinha.
A lista de convidados da segunda temporada inclui ainda o diretor teatral José Celso Martinez Corrêa, a jornalista Andréia Sadi, o apresentador Pedro Bial e o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. Para cada um, Gil canta uma música cuidadosamente escolhida de seu repertório, abrindo o programa.
No momento, Gil termina mais uma turnê pela Europa. Ainda não tem planos para um novo álbum nem músicas inéditas. “Eu compus mais de 30 no ano passado. Foi suficiente. Agora vou deixar rolar”.(FolhaPress SNG)