Entrevista com Alexandre Rodrigues, o Buscapé de Cidade de Deus

Alexandre Rodrigues, que surgiu como o protagonista de ”Cidade de Deus”, fez do tempo em que precisou ser Uber um laboratório humano

Por MANUELA AQUINO, da Trip

Crédito: Henrique Oda / Divulgação

Você vai olhar a foto do ator Alexandre Rodrigues e pensar na hora no filme Cidade de Deus. Apesar de ter sido lançado em 2002, o longa marcou o cinema nacional e é lembrado até hoje. Também marcou a trajetória do ator que viveu, de uma hora para outra, um sucesso absurdo como Buscapé, protagonista e narrador do filme.

Você também pode olhar a foto e pensar “ah, é aquele ator que virou Uber”. Isso porque Alexandre, em uma época de pouco trabalho, precisou se virar para pagar as contas. Meses atrás, uma passageira postou uma selfie com ele no carro e a história viralizou. Para ele, é um trabalho como outro qualquer para conseguir tirar um salário por mês. Só que acabou conversando com muita gente e fez laboratório por trás da direção.

“Ser Uber para mim era um laboratório, então, eu falava bastante. A pessoa saía e eu sabia a vida inteira dela”
Alexandre Rodrigues, ator

Enquanto dirigia por São Paulo, a cidade que escolheu para ser sua e onde mora com a atriz e produtora Cacá Santini, continuou fazendo testes como ator. Desde Cidade de Deus, foram muitas participações em novelas, filmes e teatro. E é nos palcos que ele encena, pela segunda vez, a peça Barulho D’água, do dramaturgo italiano Marco Martinelli, adaptada pela Companhia Nova de Teatro. A história sobre as embarcações de refugiadosafricanos fica em cartaz no Centro Cultural Olido, na capital paulista, entre os dias 9 e 11 de agosto. Em seguida, já engata ensaios com a mesma companhia para uma adaptação de histórias da mitologia grega.

Batemos um papo com Alexandre sobre a crise dos refugiados, carreira, conquistas e racismo.

Trip. A peça conta a história de refugiados africanos que entraram na Itália em embarcações precárias. Qual a sua visão sobre isso?

Alexandre Rodrigues. Por mais que a gente viva com o celular na mão, teoricamente com acesso à informação, eu não sabia muito. Fiquei por dentro quando fui convidado pela diretora Carina Casuscelli para participar da primeira encenação, em 2016. Na peça original, um italiano conta a visão dele e ela quis colocar um ator negro para dar voz aos refugiados. Comecei a ler, assisti a muitos filmes e documentários. A questão das embarcações dos refugiados está acontecendo todos os dias, neste instante, enquanto a gente conversa. Sou brasileiro, meus tataravós eram africanos e isso me tocou muito. São faces da mesma história, da escravidão até hoje.

“Assim que o filme foi lançado, já estava tirando passaporte, viajando o mundo, conhecendo cônsul, sheik árabe, presidentes, foi surreal”

A peça fica três dias em São Paulo, cidade que você escolheu para morar. O que te fez sair do Rio? Sempre tive o sonho de morar aqui, desde a primeira vez que vim, em 2001, para fazer a locução de Cidade de Deus. Me apaixonei pelo tamanho da metrópole. O Rio de Janeiro tinha ficado pequeno para mim, já conhecia tudo, andei de São Gonçalo até o Vidigal. Queria me perder por São Paulo. Cheguei e fiquei na casa de amigos, no Butantã, zona oeste, onde tinha acesso ao metrô. Andei por São Paulo inteira. Hoje, moro em um distrito chamado Caucaia do Alto, que tem 31 mil habitantes, pois é mais barato. É interior, mas quando sinto saudades do movimento, vou circular na metrópole.

Por falar em rodar a cidade, a história de que você fazia Uber viralizou. Como você começou no aplicativo? Eu recebo por novela, como quase todos os atores. Atuei em O Outro Lado do Paraíso por um ano e, quando acabou, voltei para São Paulo e a grana apertou. Comprei um carro e resolvi me inscrever no Uber para pagar as contas que não paravam de chegar. Eu tenho um filho de 11 anos, tem a mensalidade da escola… Tirava cerca de mil reais por semana, às vezes mais. Eu saía de casa de manhã e rodava a cidade inteira. Conheci tudo, o que foi incrível. Me perdi na cidade e isso era o que sonhava em fazer quando vim pela primeira vez.

Que tipo de motorista de Uber você era? Aquele quieto ou o que fala sem parar com o passageiro? Ser Uber para mim era um laboratório, então, eu falava bastante. A pessoa saía e eu sabia a vida inteira dela. Quando me reconheciam, então, era melhor ainda, o papo rolava o caminho todo.

Fotos: Henrique Oda / Divulgação

O fato de ter sido reconhecido no Uber e de a história ter repercutido te ajudou em algo? Essa foto que viralizou foi tirada cinco meses depois que eu comecei. Não fez muita diferença, não. Ganhei muitos seguidores, mas perdi meu perfil no Instagram por conta disso. Hackearam minha conta e tudo o que eu postava nos stories era denunciado como conteúdo indevido.

Como você retomou a carreira? Não deixei de ser ator, porque enquanto estava no Uber fazia testes. Também não estou topando tudo para aparecer na televisão, por exemplo. Procuro trabalhos que me toquem. Prefiro fazer meu corre de motorista a aceitar algo que não faça diferença para mim.

Nas novelas, a maioria dos atores negros ainda têm papéis secundários ou estão em representações que reforçam estereótipos. Como você lida com isso? Faz sentido para você? Já entrei na televisão sabendo como seria. Meus personagens sempre foram motorista, empregado, escravo. Nunca me deram um médico para fazer, um empresário. Quando me chamaram para ser garimpeiro, aceitei. Era uma novela das 9 e passei por cima do que acredito para estar lá, trabalhando com atores como Marieta Severo e Rafael Losso, que virou meu amigo. Fora que eu não posso ficar muito tempo longe de novela pois acham que não estou trabalhando. Aceito, vou e faço o personagem crescer.

Fotos: Henrique Oda / Divulgação

Não tem como conversar com você e não falar do Buscapé de Cidade de Deus. Quando você foi chamado para fazer, tinha noção do que era? Eu nasci na Baixada Fluminense, perto de Nova Iguaçu, e, com quatro anos, fui para o Morro do Cantagalo morar com minha mãe. Ela falava que, depois da escola, eu tinha que ocupar minha cabeça com algo. Então, sempre procurava fazer um curso, o que tivesse disponível na comunidade. Fiz técnicos de artes cênicas, edição, câmera. Me inscrevi em uma oficina de interpretação, mas não sabia que era um teste. Para mim, era mais um curso. Quando me ligaram e disseram que havia passado na seleção, eu respondi: “Filme? Que filme?”. Tinha 18 anos, chamei minha mãe e perguntei o que ela achava, se era melhor ir para o Exército ou filmar. Ela deixou a escolha nas minhas mãos e fui.

Como o sucesso mundial do filme mexeu com sua cabeça? Foi tudo muito rápido. Estava fazendo oficinas e, logo em seguida, já filmando. Assim que o filme foi lançado, já estava tirando passaporte, viajando o mundo, conhecendo cônsul, sheik árabe, presidentes. Foi surreal. Não teve deslumbramento, mas minha primeira viagem para Europa foi um baque. Fui para Paris, a cidade mais glamourosa que tem, andei de Mercedes, um choque. Conversava muito com minha mãe e com o Guti Fraga, um dos idealizadores do grupo Nós do Morro, no Vidigal, que formou os atores para o longa. Eles me trouxeram para realidade. Já pensou em voltar de um lugar onde o táxi é Mercedes e ir para sua casa onde cai água na sua cara quando chove? Claro que eu queria ficar lá, qualquer ser humano teria a mesma ideia. Mas voltei, fiz cursos e a primeira novela na Globo, Cabocla. De lá para cá, não parei mais de trabalhar.

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