A novela do inédito à reapresentação

Babilônia nasceu com a genética do fracasso. Aliás, as novelas da TV Globo, em atual exibição, são enredos frágeis e pouco atrativos. Na TV Record, não se pode dizer muita coisa diferente: Os Dez Mandamentos é uma trama tipicamente previsível porque acompanha o ritmo histórico de uma passagem bíblica. O que se salva na teledramaturgia brasileira atualmente é a reprise. A reprise sempre foi vista pela televisão como algo engessado; corria-se sempre o risco de enfadar o telespectador com uma produção repetida. Hoje, as reapresentações novelísticas ganharam um caráter diferenciado: é a possibilidade de ver os grandes atores, as melhores tramas, as mais importantes figuras da televisão novamente em ação.

por Mailson Ramos via Guest Post para o Portal Geledés

Isso explica o sucesso das reapresentações de Pedra Sobre Pedra, no Canal Viva e O Rei do Gado, na TV Globo. Os telespectadores conhecem o roteiro da história, o enredo, o final, quem fica com quem. Mas têm a satisfação de rever uma história que sempre vai atrair a sua atenção. As novelas inéditas, seja na Record ou na Globo, são verdadeiras peças de repulsão entre o telespectador e a TV; sobretudo porque não repetem o sucesso das produções dos anos de 1980 e 1990. É tudo tão relativizado e opaco que mesmo na estreia já se pode conjecturar o desfecho dos personagens.

Depois do Projac, a TV Globo deixou de produzir novelas em ambientes externos; não se sai do Rio de Janeiro; mesmo as cidades cenográficas, com a mais avançada tecnologia, não conseguem estabelecer uma simbologia de espaço onde o telespectador possa se sentir íntimo da história ali contada. Parece que a tecnologia, neste ponto, somente atrapalhou a caracterização das produções. Hoje a televisão brasileira estuda o processo de construção da telenovela tentando compreender também qual é o perfil dos novos consumidores. Não basta somente pensar que a publicidade, o histórico de sucesso e a boa audiência se converterão em público assíduo.

Depois de algumas décadas, o telespectador parece saturado. Viveu com intensidade o sucesso das novelas, mas viu-se agora envolvido pelas benesses da internet, das produtoras de seriados, da Netflix e do Youtube. Há muito tempo os especialistas diziam que a hegemonia da trama novelística tinha tudo para decair, uma vez que os autores tinham alterado gravemente a maneira de escrever. Além disso, os grandes atores e atrizes em atividade são muito raros. A telenovela não pode sobreviver com rostinhos bonitos e pouco talento dramático. É como comparar um vilão de Tarcísio Meira com um vilão de Thiago Lacerda. Não dá. O resultado são novelas cada vez mais curtas, com um nível de audiência irrisório e uma interrogação expressiva sobre o futuro.

Voltando à Babilônia, pode-se dizer que nem mesmo os atores de peso podem salvar uma novela que está fadada ao ocaso. Não é porque a novela aborda temas polêmicos que deve ser assistida. Muito menos se sua discussão tramita mais uma vez nas esferas do público e do privado; porque a TV Globo, conservadora como é, direciona para a população (público) o debate sobre assuntos que são e devem ser discutidos em âmbito privado. E as discussões têm sido tão pesadas que a sociedade, em vez de debatê-las, prefere se ligar a uma trama muito mais branda onde possa simplesmente se entreter. Mercado de entretenimento não combina com mercado de informação e opinião. O que estamos vendo é uma desvirtuação da produção teledramatúrgica.

A novela foi transformada em algo tão insosso que não resta aos autores aplicar camadas e mais camadas de conflitos sociais para animar as tramas. Nos últimos anos tem sido assim. Isso extrapola a condição de que a novela, além de entreter, serve também para levantar temas polêmicos que a sociedade precisa discutir. As novelas da década de 1990, por exemplo, discutiram temas tão apimentados quanto os atuais, embora existisse uma maneira muito mais atrativa de evidenciá-los nas tramas. E não revendo as novas perspectivas de produção da novela, as emissoras vão cedendo aos impulsos do retro e da reprise. O telespectador começa a abdicar do que é novo e frágil.

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