No meu imaginário era sempre como as periferias e os lugares mais afastados do centro são ruins, era como meu bairro era perigoso ao anoitecer, era um terror, periferia não presta e quem mora lá tem que sair, tem que ser alguém na vida e procurar coisa melhor.
Por Mariana Belmont, do ECOA
Veja, as periferias, as diversas que o Brasil possui, foram criadas para não existirem, para estar no canto, não atrapalhar ou interromper. E toda narrativa criada em torno dela sempre foi do olhar da elite demonizando e colocando a periferia como o canto desnecessário, não criativo, nada bonito e abandonado.
Mas o que a gente vê nos últimos 10 anos é um marco da organização de diferentes sujeitos periféricos que não aceitam que outros escrevam nossa história ao passo em que pautamos, contrapomos e conectamos protagonistas que constroem uma outra narrativa possível. E quando digo isso me lembro de uma fala do meu querido amigo e professor Douglas Belchior, em um evento realizado pelo Instituto Ibirapitanga em 2018.
Abre aspas então
Não é verdade que não há reação política e reação popular acontecendo no Brasil. Está acontecendo, é foda, é incrível. É muito poderoso. Não tem um bairro nesse país que não tenha alguma organização da população, em especial de jovens, em especial de mulheres, que organizam a liderança das iniciativas de ação política pelo país afora. No bairro mais periférico, mais pobre, mais miserável, onde o Estado só chega com a polícia, tem organização da juventude ali. Não está é num formato que estamos acostumados [a ver]…
Exatamente isso: estamos citando os nossos, que escrevem, formulam, pensam política, e estão construindo nas bases e contando e registrando a história.
A disputa está posta também na comunicação periférica, na grande quantidade de coletivos criado em cada margem da cidade, por razões distintas e com forças e objetivos também diferentes, mas que na ponta se conecta. Por essa razão, criamos o Fórum Comunicação Territórios, uma pesquisa que mapeou 97 iniciativas de comunicação, sejam elas pessoas, coletivos ou organizações sociais e culturais, sempre com recorte de território: esse movimento precisava estar em alguma das periferias da cidade de São Paulo e atuar a partir dela.
Afinal as articulações precisam começar pela base, ou seja, por quem faz comunicação nos territórios e isso já acontece há mais de três décadas em São Paulo. O que nós precisamos fazer agora é organizar os conhecimentos que são fruto desse trabalho, bem como suas contribuições para transformações sociais conectadas ao direito à comunicação, para ampliar esse debate com o poder público e a sociedade civil.
Produzimos, então, a pesquisa “Mapa do Jornalismo Periférico: Passado, Presente e Futuro”, que apresenta um contexto histórico sobre a relação das iniciativas de comunicação com seus territórios de atuação e as políticas públicas.
A pesquisa é o início da construção de um projeto de lei e, para isso, nós temos primeiro que articular os comunicadores atuantes nas periferias e entender se faz sentido para eles a construção de uma lei de fomento à comunicação e suas diversas linguagens.
Neste contexto, esse estudo é o início de uma resposta coletiva para esse propósito, e deixando público as iniciativas, o tamanho dessa rede e a potência de criação e conexão política.
O Fórum de Comunicação e Territórios é uma iniciativa de coletivos e comunicadoras, entre eles estão Periferia Em Movimento, Desenrola E Não Me Enrola, Historiorama, Preto Império, Mariana Belmont (eu) e Gisele Brito. E a coalizão que resultou na criação do Fórum de Comunicação e Territórios faz parte de um interesse em comum em produzir conhecimento sobre o campo da comunicação nas periferias, que reverbere em diálogos políticos e públicos sobre a construção de um futuro projeto de lei de fomento à comunicação.
No país onde as ações do poder público são centralizadas, burocráticas, pouco transparentes e muitas vezes apresentadas no varejo, é fundamental que as políticas públicas voltadas para iniciativas periféricas sejam formuladas e acompanhas por esses sujeitos, fazendo a política vir dos territórios para o centro.
Os coletivos de comunicação devem protagonizar nessa formulação de novas políticas públicas para organização e produção de conteúdo jornalístico sobre essas regiões da cidade, constituídas historicamente em condições sociais de desigualdade de raça, classe e gênero que se reproduzem, inclusive, no ambiente profissional da comunicação.
Foram seis meses de um trabalho intenso, bonito e dentro dos territórios, ouvindo os coletivos, as pessoas, olhando para as pessoas e entendendo uma história política de comunicação e resistência nas periferias da cidade de São Paulo, e duas dinâmicas distintas.
Esse trabalho será um importante instrumento para pautar importantes diálogos em diferentes esferas do poder, vamo construir política pública a partir da rua, das vielas e das margens. E isso é história, estamos pautando e escrevendo a história, e não daremos mais nenhum passo atrás.