‘A produção de autoria negra é muito maior do que o mercado editorial apresenta’

Quilombola capixaba, Mirtes dos Santos criou primeiro clube de leitura antirracista por assinatura do país

Por Vitor Taveira, do Século Diário

Mirtes dos Santos (Foto: Pedro Borges – Alma Preta)

Ativista do movimento negro, Mirtes dos Santos nasceu na comunidade quilombola de Angelim, em Conceição da Barra, norte do Estado. Mestre em Direito e Sociologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF), ela acredita na importância no incentivo à leitura e valorização da literatura afro-brasileira e da diáspora africana como estratégia para combater o racismo e a discriminação em nossa sociedade.

Por isso ela criou o Pretaria BlackBooks, considerado o primeiro Clube de Leitura por Assinatura com foco nas questões étnico-raciais e no combate ao racismo. A cada mês os assinantes recebem um livro sugerido por uma equipe de curadoras. “Nosso trabalho é pioneiro e totalmente desenvolvido por mulheres negras, ativistas e pesquisadoras das literaturas e das relações étnico-raciais no Brasil e no mundo”, conta.

Confira a entrevista que ela deu ao Século Diário.

Por que surgiu a ideia de criar um clube de leitura antirracista?

Os clubes de leituras existentes não destacam a literatura produzida por escritores não brancos ou que tratam temáticas relacionadas às questões raciais, racismo e antirracismo, portanto, a Pretaria vem para para atender essa demanda urgente dos leitores e tornar-se o primeiro Clube de Leituras por Assinatura do Brasil do gênero especializado em literatura antirracista, voltado para a valorização da literatura afro-brasileira e da diáspora africana, através do incentivo à leitura e da capacitação dos leitores nas temáticas das relações étnico-raciais com foco na superação do racismo e da discriminação.

Como é o funcionamento do Pretaria?

Enviamos aos nossos assinantes do Clube de Leituras Pretaria BlackBooks todo mês, uma BlackBox com livros que fazem parte do nosso Programa de Formação Antirracista, contendo um livro, brindes e dicas de leitura focadas na conscientização, desconstrução e superação do racismo. Em parceria com autores e editoras, apresentamos aos nossos leitores obras e trabalhos artísticos que estão em consonância com os objetivos da Pretaria. E estamos abertos a novas parcerias.

Como é feita a seleção dos livros que são enviados aos sócios?

Nós temos um projeto pedagógico de formação antirracista, em que nosso grupo editorial, composto por uma curadoria técnica e convidadas, escolhe alguns dos principais livros que são indicados em cada BlackBox do mês. Estas obras possuem conteúdos que contribuem para o processo de conscientização, desconstrução e superação do racismo e preconceitos.

Como ser membro do Clube?

O assinante do Clube Pretaria BlackBooks acessa o site www.pretaria.com.br, escolhe um dos planos de assinaturas e recebe em casa uma Blackbox mensal contendo um livro, brindes e dicas de leitura. O prazo de adesão ao Clube é todo dia 20 do mês, escolhendo um dos planos de assinaturas na plataforma da Pretaria. O recebimento é no final de cada mês.

Que tipo de serviços são oferecidos?

O Clube de Leituras Pretaria BlackBooks é um serviço por assinaturas, nós disponibilizamos três planos que compreendemos como etapas no processo de formação antirracista. Cada BlackBox contém livros que parte desde a conscientização, desconstrução até a superação do racismo. Não estamos prometendo um milagre, mas sim um diálogo à sociedade brasileira para buscar a eliminação dos preconceitos e discriminações raciais por meio do incentivo à leitura.

Qual a importância da produção acadêmica e literária para o enfrentamento do racismo no Brasil e no mundo? Como a literatura se articula com o ativismo?

A partir de 1978, a produção literária afro-brasileira dinamiza-se bastante por conta da criação da série Cadernos Negros, que, publicando contos e poemas, tem se tornado o principal veículo de divulgação da escrita daqueles que resolvem colocar no papel suas experiências e visão de mundo. Além de proporcionar espaço para os criadores, a série, organizada pelo Quilombhoje, também vem se tornando um instrumento para o exercício das leis 10.639 e 11.645 [que tratam do ensino da história e cultura afro-brasileiras], pois se constitui numa fonte extremamente rica para veiculação da cultura, do pensamento e do modo de vida dos afro-brasileiros.

Essas obras dos escritores afro-brasileiros têm dificuldade de circular nos meios hegemônicos? Por quê?

Hoje já percebemos maior acesso dessas obras em espaços hegemônicos, como grandes editoras e eventos literários, mas os autores negros e negras no Brasil publicavam suas obras através de produções e editoras independentes, como os cadernos negros do Quilombohoje, que revela grandes nomes da literatura brasileira há mais de 40 anos. Um exemplo é a Conceição Evaristo, hoje uma das escritoras negras mais lembradas quando se fala de autoria negra, mas seus livros só foram conhecidos do grande público após seus 70 anos de idade, quando já eram conhecidos há tempos principalmente por grupos de militantes e pesquisadores das temática das diversidades.

Há um crescimento notável nos últimos anos das publicações de autores negros e negras no Brasil e dos livros com temática étnico-racial? A que atribui isso?

Sim, na verdade a produção de autoria negra é muito maior do que o mercado editorial ou as livrarias apresentam, porém, nos últimos anos alguns autores ganharam notoriedade na mídia ao denunciar a ausência destes em importantes eventos literários no Brasil como na Flip em 2018 [Feira Literária Internacional de Paraty, um dos mais importantes eventos de literatura do Brasil], assim como a reivindicação da inclusão de autores negros nos currículos escolares.

Que autores ou obras você recomenda para quem está querendo um primeiro contato com a literatura antirracista?

Indicamos na BlackBox de dezembro de 2019, em parceria com a Editora Nandyala, que inaugurou o nosso Programa de Formação Antirracista do Clube, a importante obra teórica Racismo & Sociedade (2012), do escritor cubano Carlos Moore, pela editora Nandyala. A obra do autor possibilita ao leitor uma compreensão das raízes epistemológicas do racismo na história da humanidade. Já na BlackBox de janeiro 2020, em parceria com a Editora Letramento, disponibilizamos aos nossos leitores o mais novo lançamento no Brasil, a versão em português do Best-Seller Por que não converso mais com pessoas brancas sobre raça (2019), da premiada jornalista britânica Reni Eddo-Lodge. Eddo-Loge já escreveu para o New York Times, The Voice, Daily, Telegraph, Guardian, Independent, Stylist, The Pool, Dazed and Confused e New Humanist, mas este é seu primeiro livro.

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