Selminha Sorriso completa 25 carnavais na Beija-Flor e se torna porta-bandeira há mais tempo consecutivo numa escola

Há anos ao lado do mestre-sala Claudinho, ela conta que ensaios e atividade física são segredos da vitalidade

Por Rafael Galdo, do O Globo

A elegância de Selminha Sorriso e Claudinho na Cidade do Samba: há 25 anos na escola, o casal já ajudou a azul e branco a conquistar nove títulos. Por onde passam, os dois são abordados por fãs para fotos e conversas Foto: Marcelo Theobald / Agência O Globo

Ao conduzirem o pavilhão da Beija-Flor, há quem diga que Selminha Sorriso e Claudinho parecem entidades. E este ano, quando eles completam 25 carnavais ininterruptos na azul e branco, a reverência ao samba que emana do casal ganha ares ainda mais especiais. Selminha se torna, em toda a história da folia, a porta-bandeira há mais tempo consecutivo em uma única escola, numa galeria que tem ícones como Dodô da Portela, Mocinha e Neide, da Mangueira, e Maria Helena, da Imperatriz. Nem a maternidade a três meses do desfile de 2001 e tampouco doloridas perdas no caminho a fizeram parar. Hipótese a que, aos 49 anos, responde com uma gargalhada se perguntada sobre o futuro.

Até porque ela afirma se sentir mais segura de sua arte e melhor fisicamente agora do que na estreia em Nilópolis, em 1996. Desde então, o quesito mestre-sala e porta-bandeira se transformou. A dança acelerou, no ritmo das baterias e dos sambas. E muitos casais aderiram a passos de balé e a ensaios com coreógrafos. Claudinho e Selminha, não. Eles próprios estudam os detalhes de sua apresentação, no máximo, com retoques de Marcelo Misailidis, que comanda a comissão de frente da agremiação. E não abrem mão do bailado tradicional.

— Danço de anágua porque Dodô da Portela me ensinou assim — diz Selminha, que, apesar dos anos de experiência e da coleção de notas 10, ainda sente frio na barriga quando chega à concentração para o desfile. — Bate o nervosismo até a hora de abrir os portões da Passarela. Logo depois, passa. Se não, a Sapucaí é um gigante que te engole. Quando eu entro na pista é como se eu dissesse: ‘Olha só, aqui é meu palco sagrado, meu sonho de infância’.

Claudinho e Selminha Sorriso, o casal de de mestre-sala e porta-bandeiras mais antigo do carnaval carioca, celebram 25 anos na Beija-Flor de Nilópolis Foto: MARCELO THEOBALD / Agência O Globo

Ainda criança, Selminha acompanhava a mãe, passista, na quadra de terra batida da Unidos de Lucas, escola da comunidade de Parada de Lucas, onde morou. No início, até tentou seguir o requebrado que aprendeu em casa. Mas seu destino eram os giros com a bandeira. O debut foi com o pavilhão do Império Serrano, em 1991, quando a verde e branco acabou rebaixada. Se fosse de esmorecer, seria um baita golpe. No entanto, no desfile seguinte ela daria a volta por cima.

Bodas de pérola

Conheceu Claudinho, cria do Morro de São Carlos, num evento no Palácio da Cidade. Iniciaria ali uma parceria que, se fosse um casamento, estaria prestes a comemorar bodas de pérola. Pela primeira vez juntos, em 1992, na Estácio de Sá, foram só nota 10, e a vermelho e branco acabou campeã. Já nos preparativos para os desfiles de 1996, um convite do então diretor de carnaval Laíla levou o casal para Nilópolis.

— Amadureci na Beija-Flor. Aprendi aqui a pensar no coletivo. A escola é como uma tribo, onde todo mundo se abraça e se cuida — diz Selminha.

Na Beija-Flor, já são nada menos que nove títulos. Um deles, o de 2005, carregado de sentimentos opostos. Durante a apuração, a porta-bandeira soube da morte de sua mãe, que estava em coma induzido após um AVC. Entre os parabéns pelo campeonato, ela precisou lidar com a tristeza, que a atingiu de novo em setembro de 2016, quando seu marido, Marcos Vieira de Souza, o Falcon, na época presidente da Portela, foi assassinado a tiros em Oswaldo Cruz.

Selminha, mais uma vez, não se deixou abater. Hoje, plena, conjuga a rotina de ensaios com várias jornadas. É bombeira militar, faz pós-graduação em Inovação em Gestão Pública na Uerj, dá aulas para crianças e adolescentes no projeto social “Sonho do Beija-Flor”, ensina samba para adultos especiais na Faetec e é médium num centro espírita kardecista. Para manter a vitalidade, assim como Claudinho, é quase uma atleta: faz crossfit, levantamento de peso olímpico e zumba. E mesmo com tudo isso, uma das figuras mais populares do ziriguidum, não dá meia dúzia de passos sem parar para fotos com fãs.

— Também sou uma supermãe para meu filho Igor, hoje com 19 anos. E estou namorando. Nós nos conhecemos na quadra da Beija-Flor — diz Selminha, que, no fim do ano passado, assumiu o relacionamento com o cantor Magal, vocalista do grupo de samba Clareou e um dos autores do samba da escola para 2020.

Cada palmo da Sapucaí

Seu parceiro de dança, Claudinho conhece bem esse cotidiano corrido. É em conversas por telefone que eles têm as ideias iniciais para a coreografia do carnaval. Depois, reúnem-se diariamente, seja numa sala coberta de espelhos no barracão ou, então, na Sapucaí, que eles precisam conhecer cada palmo.

— Para nós, o ano passado foi um dos mais difíceis. Quando chegamos em frente ao segundo módulo de julgamento, a pista era uma lama só — conta o mestre-sala, ressaltando a importância da cumplicidade entre o casal para superar adversidades. — É como um casamento, só não moramos juntos. Nossa única briga é pelo timing da apresentação. Às vezes, ela quer paradas mais graciosas, mandando beijos para o público. Eu, como sou músico também, peço para acompanharmos a parte harmônica do samba — conta ele.

Além disso, Selminha tem uma tradição que ela cobra dos componentes da Beija-Flor a sua volta. A porta-bandeira só vai à quadra de azul e branco. Numa das poucas exceções, recentemente o casal apareceu em Nilópolis de vermelho. Houve quem quase caísse para trás. Mas Selminha tratou de explicar: era uma homenagem ao povo cigano, citado no enredo desta folia.

— Nos outros dias, sou radical. Só azul e branco. Porque o ensaio na quadra é um dia sagrado — sacramenta.

A cobertura do carnaval da Sapucaí do GLOBO tem apoio de Ame Digital.

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