Marina: Paradoxos

 Há algo perturbador na performance eleitoral de Marina da Silva. Celebrada como alternativa às candidaturas de Dilma Roussef e José Serra a candidata  procurou encarnar um projeto político fincado numa perspectiva ambientalista, de desenvolvimento sustentável e inclusivo que se desdobraria em políticas públicas preservadoras do meio ambiente e das populações diretamente afetadas pelos interesses econômicos ligados a exploração ambiental; na busca de compromissos junto ao empresariado mais avançado em relação à responsabilidade social das empresas para com o meio ambiente, com a mudança nos padrões de produção e consumo, e a convocação da sociedade para o acolhimento de práticas ecologicamente corretas.

por Sueli Carneiro

Uma agenda que dialoga com proposições contemporâneas de lideranças de primeiro mundo engajadas na defesa ambiental e que sensibiliza parcela dos segmentos supostamente mais escolarizados, críticos e exigentes da sociedade brasileira.

No entanto, Marina é, ao mesmo tempo, portadora de valores morais decorrentes de sua filiação religiosa que dialogam com o obscurantismo e a intolerância. E, paradoxalmente, esses valores que afetam especialmente as camadas menos esclarecidas da população foram os elementos fundamentais de identificação desses segmentos com a candidata e que potencializaram as suas chances de forçar o segundo turno das eleições presidenciais. Portanto, encontra-se em Marina Silva, essa complexa junção de uma modernidade que ainda não se instituiu com um arcaísmo que resiste bravamente a desaparecer.

Dessa tensão entre o velho e o novo, parece ter vencido o velho. Porque o Partido Verde enquanto defensor da causa ambiental, da descriminalização da maconha, da livre orientação sexual, entre outros temas polêmicos não se beneficiou eleitoralmente do sucesso da candidata, na medida em que, não conseguiu aumentar a sua bancada federal. No entanto, se a onda verde não foi capaz de aumentar os 14 deputados que o Partido Verde já dispunha, os elementos conservadores da candidatura foram catalisadores de uma cruzada religiosa homofóbica e contra o direito individual de decidir em termos de contracepção que influiu sobre o resultado final do primeiro turno.

O desolador é que uma candidatura que prometia elevar o nível do debate político, introduzir temas de vanguarda como os afeitos à agenda ambiental e reposicionar os valores republicanos, limitou-se a rebaixar a eleição presidencial, no primeiro turno, a uma disputa eivada de moralismo vil, insuflada pelo oportunismo daqueles que se beneficiam da pobreza, ignorância e dos preconceitos para conquistar ou manter posições de poder (político ou religiosos) e as beneses deles decorrentes. Um desfecho melancólico que os 19% de votação e as negociações que esse percentual estão viabilizando, não podem esconder, nem livrar do constrangimento tanto a candidata que, a despeito de suas convicções religiosas, se posiciona eticamente acima desse patamar, quanto os seus eleitores mais ilustrados.

Assim, os 20 milhões de votos da candidata não parecem representar, em sua maioria, o avanço de uma consciência política e social disposta a confrontar, conforme propõe Leonardo Boff, uma velha mentalidade representada, segundo ele, pelo “agrobusiness, o latifúndio tecnicamente moderno e ideologicamente retrógrado, parte da burguesia financeira e industrial. Esse é, para Boff, “o núcleo central do velho Brasil das elites que precisamos vencer pois elas sempre procuram abortar a chance de um Brasil moderno com uma democracia inclusiva.“

Infelizmente, os riscos e sequelas desse tipo de aborto não foram considerados pela expressiva parcela de seus eleitores tão sensível a esse tema.

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