A semântica e o racismo

Os políticos da Alemanha estudam votar uma emenda para excluir o termo “raça” da Constituição do país. A iniciativa tem por base o entendimento de que a palavra incluída na carta magna depois da Segunda Guerra pode surtir efeito contrário ao pretendido em 1949.

Naquela época, a intenção era repelir o tenebroso capítulo do racismo institucionalizado pelos nazistas com base na tese da supremacia da “raça ariana”. Passadas sete décadas, o temor dos alemães hoje é que a expressão acabe surtindo efeito contrário e reforce ideologias racistas.

Além disso, há a preocupação de que o uso do termo “raça” enfraqueça a cláusula constitucional que determina a igualdade de todos perante a lei. Assim, a intenção é substituir a palavra por “motivos racistas”.

O tema é tão instigante quanto complexo. Embora as primeiras teorias sobre a existência de diferentes raças humanas datem do século 18, não há embasamento científico que as sustente.

Apesar disso, não é razoável ou possível negar que muitas vezes as pessoas agem levando em conta a etnia, ou melhor dizendo, a ancestralidade. Dessa forma, embora cientificamente inexistente, raça é um conceito bastante real sob o ponto de vista social.

Se é fato que a legislação é responsável por regular as relações, as instituições e os processos sociais, sozinha ela não é capaz de transformar a sociedade.

No Brasil, por exemplo, a Constituição prevê entre os objetivos fundamentais da República “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. No entanto, a distância entre a letra fria e a realidade é enorme.

Voltando ao caso alemão, a proposta de alteração dos termos usados na Constituição é importante, considerando que a semântica importa. Nesse sentido, é um avanço pela reflexão que provoca. Melhor ainda quando a semântica for sucedida por mudanças nas práticas que designa.

Ana Cristina Rosa
Jornalista especializada em comunicação pública.

+ sobre o tema

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...

para lembrar

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro...

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira...

Promotor é investigado por falar em júri que réu negro merecia “chibatadas”

Um promotor de Justiça do Rio Grande do Sul é...
spot_imgspot_img

O pardo e o mal-estar do racismo brasileiro

Toda e qualquer tentativa de simplificar o racismo é um tiro no pé. Ou melhor: é uma carga redobrada de combustível para fazer a máquina do racismo funcionar....

Quem ganha ao separar pessoas pretas e pardas?

Na África do Sul, o regime do apartheid criou a categoria racial coloured, mestiços que não eram nem brancos nem negros. Na prática, não tinham...

Justiça manda soltar PM que matou marceneiro negro com tiro na cabeça na Zona Sul de SP

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) concedeu nesta quarta-feira (27) habeas corpus ao policial militar Fábio Anderson Pereira de Almeida, réu por assassinato de Guilherme Dias...