Ação afirmativa no ensino superior brasileiro: Pontos para reflexão

Minha participação neste ciclo de debates se deve a duas razões principais: nas últimas duas décadas venho pesquisando as oportunidades educacionais brasileiras da ótica de gênero e raça; estou coordenando, desde 2002, a sessão brasileira do Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford que assumiu, no Brasil, a configuração de um programa de Ação Afirmativa (AA) para negros e indígenas, entre outros segmentos sociais (Quadro 1).

Por Fúlvia Rosemberg∗, do IP USP

Reprodução/YouTube

A reivindicação pelo acesso ao ensino superior para a população negra, indígena e egressa da escola pública constitui uma mobilização política cuja visibilidade, nas últimas décadas, talvez seja apenas suplantada pela do Movimento dos Sem-Terra. “O que há de novo (…) [neste cenário político] – como informa Antônio Sérgio Guimarães – é que ao contrário dos anos 1960, não foram as classes médias brancas mobilizadas em torno de ideais socialistas e empenhadas numa política de alianças de classes, pretendendo-se, no mais das vezes, os porta-vozes de camponeses e operários, que tomaram a cena política. Quem empunhou a nova bandeira de luta por acesso às universidades públicas foram os jovens que se definem como ‘negros’ e se pretendem porta-vozes da massa pobre, preta e mestiça, de descendentes de escravos africanos, trazidos para o país durante (…) a escravidão” (Guimarães, 2004, p. 194).

Vivemos, pois, um momento ímpar da agenda das políticas educacionais pela introdução de um novo tema: políticas de AA na educação. Daí minha proposta nesta comunicação: sistematizar algumas informações e reflexões sobre o debate e as práticas contemporâneas sobre AA no ensino superior brasileiro, situando-as no contexto de conhecimentos sobre relações raciais e educação. Isto se faz necessário, pois circula a percepção, em contexto nacional e internacional, de que o uso do termo raça, a conformação de movimentos negros e indígenas e a demanda por AA para negros e indígenas significariam a adoção, no Brasil, de idéias exógenas1. Que se traga à memória o ruidoso artigo de Bourdieu e Wacquant (1998; 2000), onde os conceituados pesquisadores dão como exemplo do imperialismo acadêmico norte-americano os estudos e as práticas políticas brasileira contemporâneas no âmbito das relações raciais, evidenciando desconhecimento sobre o debate e a ação política brasileira contemporânea sobre a questão. Isto é, colocam sob suspeita o caráter “legitimamente brasileiro” de tal iniciativa2.

De certa maneira, a comunicação foi orientada pela pergunta: que condições sociais propiciaram a eclosão deste tema na agenda das políticas educacionais na década de 1990. Antes porém, como boa professora, introduzi um tópico para explicitar conceitos.

 

AÇÃO AFIRMATIVA NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO: PONTOS PARA REFLEXÃO


Professora de Psicologia Social da PUC-SP. Pesquisadora do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas, onde coordena a sessão brasileira do Programa Internacional de Bolsas de Pós- Graduação da Fundação Ford (IFP).
1 O debate, as práticas, as reinvidicações e a visibilidade mediática relativas a programas de AA para indígenas nem sempre assumem os mesmos contornos daquelas referentes a negros.

 

+ sobre o tema

CE recebe visita dos membros da Conferência Nacional de Educação

Membros da comissão que organiza a Conferência Nacional de...

Raça e gênero no sistema de ensino: Os limites das políticas universalistas na Educação

As análises dos indicadores sociais desagregados por raça vêm...

A questão do negro no Brasil

Trezentos anos de escravidão africana no Brasil representada...

Grandes jornais e revistas reproduzem posições contrárias a ações afirmativas para negros

Brasília - A cobertura dos assuntos de interesse da...

para lembrar

Bolsista tem nota igual ou maior que pagante

Comparação foi feita entre beneficiados pelo ProUni e demais...

Temas que podem cair no Enem

Noções de primeiros socorros, de expressões artísticas (como dança...

Alunos negros são vítimas de discriminação racial nas escolas

Nova Iguaçu - Xingamentos, brincadeiras e apelidos. É assim...
spot_imgspot_img

Geledés participa de audiência sobre Educação das meninas e mulheres negras na Câmara dos Deputados

Geledés – Instituto da Mulher Negra participou, nesta quinta-feira 21, de audiência da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, em Brasília, da qual...

Unilab, universidade pública mais preta do Brasil, pede ajuda e atenção

A Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) surgiu com a proposta de fazer a integração de alunos de países africanos de língua...

Cotas, sozinhas, não acabam com a desigualdade

Há uma demanda crescente para que as universidades de alto prestígio (ou de elite) aumentem a diversidade étnico-racial e socioeconômica de seus alunos. Nessa...
-+=