Aceleradora busca impacto social com apoio a startups de negros

“Você já foi atendido por um dentista negro?”, pergunta Arthur Lima, 28, ele mesmo um cirurgião dentista de Salvador, a capital mais negra do país. Diante da recorrente resposta negativa, Lima diz conseguir chamar a atenção de seus interlocutores para a falta de representatividade negra no ecossistema brasileiro da saúde.

Essa ausência de diversidade, aponta ele, é também uma questão de saúde, já que dificulta o diagnóstico de problemas que acometem mais as pessoas negras. Seu sócio, o jornalista Igor Leonardo, 33, é exemplo disso. Ele se submeteu a uma série de tratamentos ineficazes durante anos até obter o diagnóstico correto do problema que tinha: a foliculite capilar, prevalente em pessoas de peles negra.​

“O processo de formação de pessoas negras na área de saúde é um processo doloroso e há inúmeros casos de profissionais que, mesmo de jaleco branco em seu consultório, precisam explicar quem é o doutor ali”, conta Lima.

“Por outro lado, muitos pacientes negros relatam sofrer racismo em consultas pelas quais pagam sem nem ao menos serem examinados ou tocados. E o que nós fizemos foi criar um modelo que desse conta dessas duas problemáticas.”

A partir da vivência dos dois lados do mesmo problema, Lima e Leonardo fundaram a AfroSaúde, uma startup de impacto social voltada para a saúde de comunidades negras, concentradas nas periferias das grandes cidades, que conecta profissionais negros a pacientes em busca deles. “Estamos tratando, a um só tempo, de racismo, desigualdade no mercado de trabalho e no acesso a saúde.”

A iniciativa é uma das quatro criadas por afrodescendentes das periferias de Salvador e selecionadas para um programa de aceleração criado por uma das dez maiores empresas de tecnologia do país, a Qintess, em parceria com o centro de inovação Vale do Dendê, também voltado ao empreendedorismo periférico.

A meta da Qintess é, em cinco anos, investir R$ 10 milhões para acelerar 500 empresas e treinar 2.000 jovens de periferias em linguagens de programação de modo a colorir o mercado de tecnologia e inovação, dominado por homens brancos das classes média e alta.

“Eu sou africano, sou negro. Passei por sete classes socioeconômicas ao longo da minha vida e, nesta jornada, percebi o quanto é difícil para as pessoas negras se mobilizarem socialmente”, explica Nana Baffour, CEO da Qintess, nascido em Gana e formado nos EUA, onde ingressou no mercado de tecnologia até se tornar empresário do setor e adquirir empresas no Brasil, para onde se mudou há nove anos.

“Como sei que a tecnologia é motor da inovação e de crescimento econômico, fiz questão de me responsabilizar e dar essa contribuição a quem está fora do mercado”, diz Baffour, um dos poucos CEOs negros do país, que constituiu uma célula de diversidade liderada por uma mulher trans.

“Se você é da periferia, em geral não conhece ninguém no setor formal para te indicar. Quantas pessoas com capacidade deixam de mostrar seu potencial para o mundo por causa disso? E o que estamos perdendo nesse jogo?”, questiona ele, que diz querer evidenciar que diversidade é mais do que um discurso.

“Só fazer dinheiro não basta, é preciso usar o poder econômico para fazer a diferença. E eu desafio o mundo empresarial a tomar essa atitude”, provoca ele, que adotou as práticas ESG (ambientais, sociais e de governança) como parâmetro de sustentabilidade.

Segundo a Brasscom (Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação), desde 2015 cerca de 30% dos profissionais de tecnologia da informação e comunicação do Brasil são pretos ou pardos. Na população brasileira, este percentual é de 56%.

Estudo da consultoria McKinsey encontrou uma correlação positiva entre diversidade e performance financeira. De acordo com a pesquisa “Delivering through diversity” (entrega através da diversidade, em tradução livre do inglês), as empresas com maior diversidade étnica tinham 33% mais chances de ter uma performance financeira acima da média de seu setor.

Além da AfroSaúde, as outras três startups de impacto social lideradas por afrodescendentes de Salvador escolhidas são Infleet, Aoca Game LAB e TrazFavela, esta última um serviço de entrega da periferia e para a periferia —tipo de serviço essencial em tempos de pandemia.

Para Baffour, essas são empresas que resolvem problemas vivenciados e que, portanto, os encaram com maior empatia, impactando a vida de milhões de brasileiros.

Paulo Rogério Nunes, cofundador e diretor-executivo da Vale do Dendê, diz que o senso comum enxerga as periferias como problema ou como destinatárias de caridade. “Essas pessoas têm potencial de produzir soluções criativas que podem ser escaladas para o mundo, que se parece muito mais com as periferias do Brasil do que com a avenida Faria Lima, em São Paulo, com Manhattan, em Nova York, ou com a Champs Elysees, em Paris.”

Ao revelar oportunidades invisíveis tanto para jovens empreendedores negros das periferias de Salvador e, ao mesmo tempo, para investidores em busca de negócios inovadores, Nunes acredita que a parceria entre Vale do Dendê e Qintess ajuda a reverter o desperdício de talentos e de recursos “que o Brasil não pode se dar ao luxo de desperdiçar”.

“Hoje é muito difícil para um jovem negro da periferia viabilizar uma ideia que precisa de tecnologia. Eles em geral têm portas fechadas por conta do racismo institucional e é essa a lógica que queremos quebrar, na qual o CEP e a cor da pele não sejam barreiras e o foco sejam as ideias.”

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