Adoção dá aos afro-americanos uma oportunidade de fortalecer famílias e a comunidade. Então, por que não fazemos isso mais?

OS ESCOLHIDOS

por Corynne L. Corbett

Fotografia por Timothy e Valerie Goodloe

Traduação: Ariane Machado Cieglinski

Quando Lisa e Rodney Epperson ficam em frente a uma platéia para compartilhar sua estória de adoção, eles não resistem em passar um olho pelo público procurando por rostos negros. Na maioria das vezes, eles não vêem muitos. Em um auditório repleto de pessoas interessadas em expandir suas famílias com crianças que não estão relacionadas a elas pelo sangue, os Eppersons podem contar aqueles que são descentes de africanos em uma mão.

“(A adoção em nossa família) não é um segredo”, diz Lisha, “mas nós não fazemos alarde também. Sempre que a oportunidade aparece (de falar sobre isso), nós compartilhamos porque queremos advogar pela causa da adoção. Nós queremos mostrar para as pessoas que elas não têm de ter medo disso e que nós podemos fazê-lo, você pode fazer. A adoção mudou nossas vidas e nosso mundo se abriu por causa disso.

Estatísticas mais completas são difíceis de quantificar, mas de acordo com Antoinette Williams, diretor assistente de adoção doméstica de Spence-Chapin, uma agência de adoção privada na cidade de Nova Iorque, “aproximadamente um terço das adoções domésticas de (nossa) agência é para famílias negras.” Não é um número expressivo em qualquer tipo de cálculo.

Então, é medo, noções preconcebidas ou falta de conhecimento que fazem com que os afro-americanos fiquem distantes da adoção?

A resposta não é tão simples assim, mas todos esses fatores têm definitivamente um impacto na maneira como a comunidade negra tem respondido. Se confrontarmos as questões que têm nos impedido de adotar, nós iremos descobrir também que as recompensas irão se sobrepor aos riscos.

 

As bênçãos continuam chegando – Lisha, 44 anos, e Rodney Epperson, 50 anos

Adoção aberta através de uma agência privada de adoção


Número de crianças: Quatro (os três mais novos moram em casa); Emoni, de 27 anos de idade (filho biológico de Rodney, não está na foto), Lichai, filho de 9 anos de idade, Ila, filha de 7 anos de idade, Chailah, filha de 2 anos de idade

Quando nos casamos, no dia 1º de junho de 1996, nós tentamos todos os métodos tradicionais para começar uma família. A perda (da gravidez) aconteceu muito cedo em nosso casamento, então, lá pelo 5º ano, nós pensamos em adoção. Eu queria ser mãe. E não me impostava como.

Fomos até a Spence-Chapin e o casal na sessão de informação naquela noite realmente refletiu sobre nós. Estar lá nos permitiu ver o que era possível e atingível. Se você quer ser pai, sim, você pode. Isso pode acontecer e irá acontecer. Não era como a coisa de se fazer um bebê. Era mais como: se você fizer isso, isso e isso, então um bebê virá e isso foi muito bom naquele ponto. Nós organizamos juntos um álbum de fotografias e uma carta para as mães que dariam à luz para que elas lessem antes de nosso encontro.

Passamos pelo processo inteiro por 3 vezes. E cada vez foi diferente. A primeira vez, com Lichai, nós estávamos sentados no escritório. Estávamos muito nervosos porque estávamos tentando adotar um bebê africano através de um programa doméstico porque ele nasceria aqui. Nós tínhamos muitas perguntas. Havia uma mulher do lado oposto; ela era uma mulher africana e ela estava olhando para nós como se nos conhecesse. Ela tinha visto nosso álbum. De qualquer forma, eles chamaram-na de volta para onde estávamos sentados e eles nos apresentaram. Ela estava segurando um bebê e ela nos deixou vê-lo. Foi um momento especial. Foi impressionante.

 

A essa altura, ela ainda não tinha tomado sua decisão final. Acho que uma semana depois iríamos voltar e, oficialmente, conhecê-la. Nós estávamos a caminho (para o encontro) e nossa assistente social nos ligou e disse: “Sinto muito, ela sente que não pode fazer isso”. Sentamos em um parque na Riverside Drive e choramos.

Você se sente mal, mas você consegue ver como é horrível e difícil para ela também. Então nós nos recuperamos e mais uma semana passou e nós dizíamos: “Ela está pronta”. E dissemos que iríamos esperar mais uma semana e conseguimos ter o encontro onde nós selamos o acordo. Trocamos e-mails, e nunca nos ocorreu não nos comunicarmos um com o outro. Para nós, uma adoção aberta era a única forma que poderíamos fazer isso. Eu não queria sentir assim: “Quem é essa senhora no trem? Ela poderia ser a mãe do bebê que está prestes a nascer?”.

A segunda vez, estávamos pensando em adoção, mas não tínhamos preenchido nenhum formulário ou nada e a mãe veio até a Spence-Chapin e viu nossas fotos na parede da recepção e perguntou sobre nós. Então, nos ligaram e perguntaram: “Vocês pensariam nisso, numa adoção?”. Apenas aconteceu a partir daquela ligação e duas semanas depois, nós tínhamos uma menininha linda. E na terceira vez, passamos pelo processo novamente para a nossa mais nova. Lichai e Ila rezaram por Chailah por dois anos. Eu fiquei muito feliz por eles fazerem parte disso; eles conheceram a mãe da Chailah e deram um nome a ela.

A adoção tem sido parte de nossa conversa desde o nascimento. É um fato de nossa família. E eu tenho muito orgulho do modo pelo qual nos juntamos. Toda a vez que conto a estória, fico emocionada porque eu vejo como Deus trabalhou de forma mágica em nossas vidas para nos colocar juntos e isso é algo grande.

 

Legenda das fotos, página 70: Laços de família: A experiência própria de adoção de Amber Stime (a segunda da direita, fila da frente, com sua família) ajudou quando ela começou a facilitar arranjos da sua terra natal, Etiópia.

A adoção não é um conceito novo para afro-americanos. Pelo que podemos lembrar, nós temos acolhidos crianças sem lar, sendo elas relacionadas a nós ou não. “Isso nos remete à escravidão, mas quando ela se tornou uma questão sistemática, ela levou um nome”, diz o Reverendo M. C. Potter, diretor executivo da sede nacional da One Church One Child, uma organização que trabalha através de instituições baseada nas na fé para educar e recrutar famílias afro-americanas que queiram adotar a partir da assistência social.

Uma vez que o processo torna-se formal, no entanto, nós ficamos – de uma certa maneira – deixados de lado da equação. “Agências de adoção foram fundadas para achar crianças brancas saudáveis para casais brancos inférteis”, diz J. Toni Oliver, presidente e CEO da Roots of Adoption Agency em Atlanta. De repente, nosso cliente de longo tempo estava sob escrutínio, o que significava que as famílias negras teriam de ser consideradas “dignas” por assistentes sociais que não estavam familiarizados com nossas práticas culturais. Isto resultou em muita cautela em relação a se engajar no exercício da adoção. “Nós não confiamos no sistema porque não tivemos uma experiência positiva com ele”, aponta Potter.

 

Ao longo dos anos, no entanto, nossas crianças têm – de forma crescente – acabado sob os cuidados da assistência social e sob a supervisão do mesmo sistema no qual não confiamos. Enquanto há um excesso de 500.000 crianças na assistência social, em torno de 130.000 têm pais que têm seus direitos parentais encerrados, tornando essas crianças disponíveis para adoção. Dessas, 45 por cento são afro-americanas. De acordo com Gloria Hochman do National Adoption Center na Filadélfia: “Em cidades como Detroit, Chicago, Los Angeles, Filadélfia, Nova Iorque e Atlanta, o percentual de crianças negras pode ser tão alto quanto 80 ou 90 por cento. “Quando não fazemos nada para visar sua situação, essas crianças padecem no sistema até completarem 18 anos”.

Hochman diz que um número substancial de meninas que crescem fica grávida, desempregada e sem-teto. Algumas acabam em instituições para doentes mentais, e outras vão para a prisão.

Então, onde estão os afro-americanos quando o estado de nossas crianças atingiu um estado tão crítico? O que está realmente nos segurando? Algumas das maiores razões são o custo, nosso preconceito contra crianças mais velhas, uma crenças de que não há crianças negras disponíveis e um mundo de rejeição. “Não conheço muitas pessoas que adorem ser escrutinadas, mas na adoção, isso é parte do processo”, diz William da Spence-Chapin., que arranja para famílias crianças que têm entre 4 e 6 semanas de idade em alguma forma de adoção aberta, onde há um nível de contato com a família de nascimento. Como parte de todo estudo sobre o lar de adoção, evidências da saúde financeira, física e mental devem ser consideradas. Spence-Chapin baseia suas taxas para adoção doméstica em uma escala, que é calculada em torno de 15 por cento da renda bruta ajustada.

Legenda da foto, página 71: Stime, diretor executivo da African Cradle, entende que é importante ter certeza que garotos adotados vejam modelos de papéis fortes em homens negros bem-sucedidos.

Adoções que envolvem crianças que padecem na assistência social normalmente acontecem quando elas não são mais bebês ou já começaram a andar. Muitas crianças foram identificadas com necessidades especiais ou podem ter um ou mais irmãos ou querem ser adotadas junto. A categoria “criança mais velha” pode começar a qualquer idade, entre os 9 e 12 anos, dependendo da agência.

Oliver, contudo, está em uma missão para mudar nosso pensamento sobre os motivos que nos fazem adotar e como pensamos sobre essas crianças. “Há algum receio sobre crianças que estão sob os cuidados da assistência social – que há algo de errado com elas. Mas não ligamos para o que nos dizem sobre uma criança e deu ajuste ou falta de ajuste à assistência social,” ela diz. “Queremos que as famílias entendam que nosso foco é encontrar famílias que supram as necessidades das crianças. O objetivo é observar e desenvolver suas forças”. Como resultado, Roots tem obtido sucesso ao arranjar um lar para crianças em idade escolar, grupos de irmãos, aqueles taxados com problemas de aprendizado ou comportamento e adolescentes até 17 anos.

Para aqueles que estão prontos para adotar – famílias negras e pessoas solteiras estão, cada vez mais, procurando a adoção internacional como uma opção – ainda os números são baixo.

A maioria de arranjos internacionais envolvendo crianças africanas é trans-racial. O processo de habilitação é extenso e o custo pode ser proibitivo, até mesmo com redução de impostos federais. As taxas de adoção variam entre 12.000 e 30.000 dólares e são estabelecidos pela agência. Custos adicionais, tais como estudo em casa e viagem, podem elevar o total até 50.000 dólares. As taxas são estabelecidas pelas agências depois que o país envolvido calcula o custo dos cuidados com a criança. Isso é composto por um período de espera que começa após o preenchimento de documentos, após um estudo mais profundo do lar e depois de todos os requisitos específicos do país sejam cumpridos – o que facilmente pode variar entre um e quatro anos.

Legenda da foto, página 72: Uma intervenção: Para Carla Miller Simon (centro), a adoção de seus filhos ajudou a lidar com a perda de seu filho biológico.

 Se você é um pai adotivo, o estado paga para que você cuide da criança e irá pagar também por taxas de advogados quando você adota uma criança. Para Amber Stime, diretora executiva da African Cradle em Palo Alto, Califórnia, a sua própria experiência de adoção internacional trouxe a ela um círculo completo. A nativa da Etiópia de 48 anos, que perdeu ambas as mãos em um acidente com uma mina terrestre quando começou a andar, foi adotada aos 8 por um casal branco de Minnesota que foi voluntário em um orfanato por um ano. Stime começou a facilitar os processos de adoção para o seu país de origem em 1994 – adotando suas crianças mais velhas, que agora têm 24 e 26 anos, no processo. Pelos últimos 13 anos, ela tem organiza um programa de colônia de férias chamado Ethiopian Heritage Camp que permite que crianças adotadas se conectem com arte, música e comida de seu país de origem e também aprendem a línguas. “Preocupo-me, algumas vezes, com o fato desses pais não lidarem com a realidade – que esse bebê lindo se tornará um homem negro”, ela diz. “Então, ao envolver a comunidade etíope, posso dar às crianças modelos de papéis de negros bem-sucedidos vivendo bem”. Hoje em dia, entretanto, Stime prioriza as adoções de Gana e iniciou novos programas em Ruanda, e na República Democrática do Congo. Além disso, ela irá terminar seu trabalho com crianças do Haiti assim que problemas logísticos sejam resolvidos. Ela estima que levará um ano para que os serviços sociais estejam completamente organizados e para localizar arquivos antigos. Então, o foco será colocar crianças que já estavam em orfanatos em lares antes do terremoto devastador. Antes do desastre natural, levava-se dois anos para completar uma adoção.

A situação do Haiti atingiu uma massa crítica de pessoas. As crianças estão vivendo nas ruas e podem levar anos para se verificar se seus pais estão vivos ou mortos ou para localizar outros parentes. Embora alguns orfanatos estejam suportando, as estruturas não são estáveis o suficiente para serem habitados, resultando em crianças saudáveis e doentes dormindo juntas em barracas nas ruas. E no meio disso tudo, crianças mais velhas podem ser rejeitadas por orfanatos e se perderem na confusão. Ainda, “desobedecer”, como fizeram os missionários que tentaram atravessar crianças na fronteira sem autorização, não é a resposta também.

“O Haiti tem de tomar cuidado; eles têm de ter um sistema”, diz Stime. “Eles não têm de ter regras e regulamentações porque eles são os que devem proteger as crianças. Mas alguém precisa ir lá e trabalhar em nome das crianças mais velhas também.”

O ponto de partida é que existem crianças que querem que nós os chamemos de nossas tanto aqui como no exterior. Seus corações estão chamando pelos nossos e depende de nós responder.

Fontes para informações sobre adoção:

Se você está interessado em saber mais sobre adoção através de programas domésticos internacionais e da assistência social sobre adoção, as organizações abaixo podem ajudar:

Pelo fogo – Carla Miller Simon, 50

Adotou três crianças através da assistência social

Número de crianças: Seis; Quinn, filho de 16 anos de idade, Paul, filho de 14 anos de idade, Arthur, filho de 7 anos de idade

Primeiramente, eu fui uma mãe adotiva. Fui atrás da assistência social depois que minha filha mais nova, Jolene, foi para a Shaw University. Tinha uma casa em um condomínio e eu tinha dois quartos extras. Eu tenho muita paciência quando se trata de cuidar de crianças. Consegui os três meninos em três meses em 2006 (eles foram adotados em 29 de janeiro de 2010). Paul veio primeiro; ele tinha 9 anos. Depois, Athur veio e ele tinha 4 anos. E Arthur falava tanto de seu irmão, que fui e aceitei seu irmão Quinn aquele setembro. Vi o que cada um deles precisava: que era muito amor. Eu dava a eles muitos abraços. Eles tinham passado por muitos julgamentos e tribulações o que os levou a serem colocados sob os cuidados da assistência social.

Eles não foram transferidos de lares adotivos para outros lares adotivos. Eles estão na minha casa há três anos agora e eu não queria que eles fossem para lugar algum, então, comecei o processo de adoção em 2008. Foram os dois meses mais longos que eu já vivi. No dia 20 de setembro de 2008, meu filho (biológico) mais velho, Jonathan, foi assassinado por alguém que ele considerava seu amigo. O Jonathan brincava com eles, cuidava deles, ensinava os meninos. Perdê-lo os machucou muito.

Quinn (e meu outro filho, Jeffrey) me apoiou. Ele não abraçava ninguém, mas a mim ele abraçou. O que ensinei aos meninos sobre amor, eles me retribuíram quando eu mais precisava. E eu sou muito orgulhosa deles. Eu perdi meu filho e ganhei três mais. Eu sinto falta do meu filho, mas eu tenho que continuar em frente porque tenho os meninos agora.

 

African Cradle

www.africancradle.org

telefone: 650-461-9192

 

Catholic Charities

www.catholiccharitiesusa.org

telefone: (703) 549-1390

 

National Adoption Center

www.adopt.org

telefone: 1-800-TO-ADOPT

 

National One Church One Child

www.nationalococ.org

Roots Adoption Agency

www.rootsadopt.org

 

Spence-Chapin Adoption Services

www.spence-chapin.org

telephone: 212-3690300

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