‘Advogado preto?’, professora repreendeu sonho de Clarindo Silva

Foto : Matheus Simoni / Metropress

O dono da Cantina da Lua relembrou parte de sua trajetória de luta: “Fui batedor de ferrugem, auxiliar de balcão, balconista, sub-gerente, gerente, contador…”

Por James Martins, do Metro 1

Foto : Matheus Simoni / Metropress

Clarindo Silva, 77 anos, participou ontem (11) do Jornal da Cidade II, na Rádio Metrópole, e mais uma vez reforçou sua militância pelo Centro Histórico, em especial, mas também por toda a cidade do Salvador. O jornalista e agitador cultural anda muito preocupado com o futuro do Hospital Espanhol. “Vejo com uma angústia, uma tristeza muito grande, não só a questão do imóvel em si, mas sobretudo ante a necessidade que essa cidade tem de leitos hospitalares, o Espanhol fechado”, disse.

E prosseguiu: “Confesso que ainda não fiz a pesquisa necessária da situação, para convidar a sociedade baiana a entrar nessa luta e resgatarmos a dignidade daquele espaço. Mas, acho que podemos inicialmente focar nos filhos do Hospital Espanhol. Eu mesmo tenho quatro filhos e dois sobrinhos que ali nasceram. E vejo com uma preocupação muito grande um espaço tão nobre como aquele fechado por tanto tempo”.

Há 47 anos à frente da Cantina da Lua, um dos principais focos culturais da capital baiana, Clarindo, natural de Conceição do Almeida e hoje doutor Honoris-Causa pela Université Libre des Sciences de L’Homme de Paris, também relembrou sua trajetória: “Cheguei aqui com 12 anos como empregado doméstico. Fui batedor de ferrugem, auxiliar de balcão, balconista, sub-gerente, gerente, contador, depois fiz jornalismo, fui trabalhar n’A Tarde, Tribuna da Bahia e, quando meu filho mais velho nasceu, eu abri mão desses dois empregos e arrendei as duas portinhas da Cantina”.

E falou sobre as dificuldades de sua formação escolar. Ele, que não tinha caderno e fazia anotações em papel de embrulho, conseguiu ser admitido, contra todas as expectativas, no Severino Vieira. “Depois do primário, fiquei três anos sem estudar, juntando dinheiro pra poder botar a quitanda de minha mãe, que lavava roupa de ganho. Depois voltei a estudar em um colégio que tinha na rua Rui Barbosa, onde a maioria absoluta eram brancos, afrodescendentes só tinha dois”, contou.

“Aí a professora começou a perguntar onde cada um ia fazer admissão. Perguntou a mim: ‘E você aí, menino?’. Eu disse: Vou fazer no Severino Vieira! Ela: ‘Aonde?’. E vaticinou: ‘Você não tá preparado. Por que não faz no Iceia, no Duque de Caxias?’. A partir dessa conversa, de que ele saiu às lágrimas, Clarindo narra seus estudos na Biblioteca Pública e em casa, até de madrugada. E chega ao dia da prova oral.

“Tinha duas filas, uma grande e outra pequena. A pequena era pra professora chamada de Calamidade, que só dava notas baixas. Como eu sempre gostei de desafios, fui enfrentar a Calamidade. Cheguei tremendo, é lógico, nervoso, e ela perguntou: ‘O que você faz na vida, menino?’. Disse: Eu sou empregado doméstico. E ela: ‘Você quer ser o quê?’. Advogado, respondi. Ela: ‘Advogado preto?’.

Resultado: Clarindo passou com nota 10 na prova oral e entrou no Severino. Veja a entrevista completa:

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