Poucas cidades são tão singulares como Salvador. Na capital baiana, modernidade e tradição dividem espaço constantemente. Baianas vendem seu acarajé há poucas esquinas de grandes franquias de fast-food. Cidades alta e baixa guardam uma mistura deslumbrante de praias, enormes prédios comerciais e um conjunto arquitetônico tão antigo quanto à colonização do país. Foi com essa mesma energia que o Afropunk Bahia realizou sua primeira grande edição — louvando o tambor ancestral e “berimbau metalizado” ao mesmo tempo.
Em uma mistura tão diferente quanto mascar chiclete com banana, o line-up do festival, que aconteceu nos dias 26 e 27 de novembro, contou com vários estilos. O rapper paulistano Emicida, o axé de Psirico e Margareth Menezes, o baile de favela da carioca Ludmilla e o metal pesadíssimo dos mineiros do Black Pantera marcaram o fim de semana histórico para a cidade. Assim como Salvador, o Afropunk foi um festival singular.
A DJ Tamy abriu os trabalhos nos dois dias e especialmente no primeiro teve que encarar uma chuva persistente, que afastou o público dos palcos Agô e Gira. Na apresentação da banda Black Pantera, parte do público já havia decidido que chuva é para se molhar e se concentrou em frente ao palco. As pessoas que se protegiam da chuva abriram rodas e bateram cabeça sob a chuva de Salvador.
Mais adiante, a consagrada Margareth Menezes colocou todo mundo para dançar com seus hits como “Elegibô”, “Faraó” e “Alegria da Cidade”, mas foi com “Cordeiro de Nanã”, música sobre sua mãe, falecida em 2018, que a cantora se emocionou e chorou no palco Gira. Quem também se emocionou durante a apresentação foi a cantora N.I.N.A. Nem mesmo “a bruta, a braba, a forte” não conseguiu conter as lágrimas lembrando de sua trajetória até o palco do maior festival negro do planeta.
Quem também proporcionou um misto de emoções no festival foram os rappers Emicida e Baco Exu do Blues. Enquanto o artista paulistano emocionou a todos com seu concerto AmarElo, Exu do Blues, que estava em casa, falou de amor, sexo, homenageou a cantora Gal Costa, que morreu este mês, e ainda promoveu um bate-cabeça ao som do seu sucesso “Minotauro de Borges”. Ambas as apresentações tiveram tons bem opostos, mas mexeram com o público da mesma forma.
As ganhadoras do Grammy Liniker e Ludmilla também balançaram a cidade nos dois dias do evento. Liniker subiu ao palco no sábado falando sobre o amor e aqueceu todo mundo após a chuva. Além de uma voz incrível, a performance da artista como um todo é um show à parte. Com muita dança, interação e destaque para sua dança, a vencedora do Grammy de Melhor Álbum de MPB fez um dos shows mais agitados do festival.
Já Ludmilla (que venceu como melhor álbum de pagode no Grammy) levou suas músicas do Numanice, mas também muito funk carioca. Lud se apresentou no domingo com participações de peso, como a da cantora Dama e da própria Liniker, com quem trocou vários elogios durante o dueto de “Baby 95”, da convidada. O show de Ludmilla foi o mais afetado pelas fortes chuvas na região, mas isso não foi o bastante para tirar o público da frente do palco e ela cantou para uma multidão encharcada, mas aquecida pelos diversos ritmos interpretados pela cantora.
Por fim, os palcos do Afropunk Bahia mostraram a força e a variedade da cultura negra no Brasil. Muito além da música, o festival reúne ainda dança, moda e culinária que resgatam ancestralidade e pertencimento de todo um público. Do tamborzão baiano ao autotune, o Afropunk no Brasil 2022 reforçou a importância de valorizar a cena artística nacional e mostrou uma diversidade única que poucos países podem ostentar.