Situações de bullying são corriqueiras nas escolas. Sempre foram, mesmo antes deste tipo de violência ser chamado assim. Episódios vivenciados no ambiente escolar, nas posições de vítima, observador ou agressor, podem ser rememorados para ilustrar sua recorrência. O bullying se caracteriza por um desequilíbrio de poder, manifestando-se por meio de ações intencionais, repetitivas e indesejadas. O alvo, em geral, não tem meios efetivos de defesa e pode sofrer danos físicos, sociais ou emocionais.
Dada sua frequência, é comum supor que esse fenômeno seja inerente e inevitável ao processo de desenvolvimento infantojuvenil. Afinal, gerações anteriores, que há muito deixaram a escola, também foram expostas a esse tipo de violência e, aparentemente, “sobreviveram”. Por que precisaríamos fazer algo pela geração atual, que está descobrindo o bullying agora?
Primeiro, a existência histórica do bullying não o torna aceitável, tampouco justifica sua permanência como prática tolerada. Se sofrimento e trauma podem ser prevenidos, seria irracional permitir que ocorram.
Segundo, o bullying de hoje não é o mesmo de décadas passadas. Assim como o mundo, as práticas intencionais e repetidas de violência vêm evoluindo, sendo cada vez mais naturalizadas em diversos ambientes – escolar, familiar e virtual. O cyberbullying, que foi incluído no código penal como um crime de intimidação sistemática em ambiente virtual, já atingiu o universo de crianças e adolescentes. Além disso, apesar da carência de séries históricas robustas sobre o tema, há indícios de que os números de casos estão se agravando.
Terceiro, as consequências do bullying são significativas e distribuídas de forma desigual. No contexto escolar, as vítimas podem apresentar prejuízos em sua socialização e desenvolvimento, com possível violação de seu direito à educação plena. Em casos graves, um clima escolar desestruturado pode contribuir com a ocorrência de eventos de violência extrema nas escolas.
Enfrentar estes desafios exige uma abordagem intersetorial e colaborativa. Ainda assim, a escola exerce um papel fundamental, pois muitas das situações de violência ocorrem em seu ambiente. Cabe às redes de ensino, públicas e privadas, investir em estratégias eficazes para lidar com esses desafios, mesmo que o êxito dessas ações dependa também de fatores externos à escola.
Nesse sentido, o Ministério da Educação elaborou documentos de apoio às ações locais, como um protocolo de enfrentamento do bullying e cyberbullying, fundamentado em evidências e na literatura especializada. De forma prática, os recursos oferecem às redes e aos profissionais da educação um roteiro operacional para lidar com casos de bullying, seja em sua forma tradicional ou digital. Os passos incluem identificar sinais, acolher envolvidos, intervir imediatamente, promover ações restaurativas e dar os devidos encaminhamentos.
A atuação rápida é essencial para evitar que condutas, muitas vezes entendidas como brincadeiras inocentes, se agravem e gerem consequências. Ações colaborativas são fundamentais para garantir que as escolas disponham das ferramentas necessárias para lidar com os desafios contemporâneos, ainda que esses sejam antigos em sua origem.
Priscilla Bacalhau – Doutora em economia, consultora de impacto social e pesquisadora do FGV EESP CLEAR, que auxilia os governos do Brasil e da África lusófona na agenda de monitoramento e avaliação de políticas