Alta gestão da maioria das empresas no Brasil não tem nenhum negro ou indígena

17/12/25
  • Representatividade racial é ausente em 75% das diretorias, aponta levantamento Folha/FGV
  • Metade das companhias não tem participação feminina nas diretorias

A ascensão de pessoas pretas, pardas e indígenas em cargos de alta gestão nas corporações ainda caminha a passos lentos.

Levantamento da Folha, em parceria com a FGV (Fundação Getulio Vargas), mostra que 75% das empresas não possuem nenhum representante desse grupo na diretoria das organizações.

Os dados são ainda mais alarmantes no caso dos conselhos de administração, em que companhias sem negros ou indígenas somam 84%. Entre os membros efetivos do conselho fiscal, o percentual de empresas sem representatividade racial é de 80%.

A análise considerou informações públicas de 403 companhias de médio e grande porte de capital aberto declaradas à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Em relação à paridade de gênero, o estudo mostrou que a participação feminina em órgãos decisivos das companhias é um pouco maior, mas também enfrenta resistência.

Metade das empresas não possui mulheres na diretoria e 35% não têm representação feminina no conselho de administração.

Os dados escancaram as desigualdades enfrentadas no mercado de trabalho por grupos que compõem a maior parte da população brasileira.

Pessoas que se declaram pretas, pardas ou indígenas somam 56,6% dos habitantes no país, segundo dados do Censo 2022. Mulheres representam 51,5% da população.

Para o professor de Economia da UFABC (Universidade Federal do ABC) Ramatis Jacinto, a falta de negros e indígenas em posições de liderança no mercado não se atribui à ausência de qualificação dessa população, mas a uma percepção subjetiva dos empregadores.

“É uma resistência que se mantém durante muito tempo, resultado de um racismo institucionalizado que faz parte do imaginário de parte significativa dos gestores e empresários no Brasil.”

Ele afirma que políticas públicas como as cotas raciais em universidades públicas, Fies (Fundo de Financiamento Estudantil) e Prouni (Programa Universidade para Todos) contribuíram para aumentar o acesso da população negra à educação superior.

Uma pesquisa da Flacso Brasil e da Unicamp que analisou dados da Pnad (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios) Contínua Anual de 2021 mostrou que as mulheres negras são maioria nas universidades públicas do país, representando 27% do total de estudantes.

Em seguida, em ordem de participação, vinham as mulheres e homens brancos, com 25% cada um, e, por fim, os homens negros, com 23%.

Para o pesquisador da UFABC, a forma como o país fez a transição do trabalho escravo para o assalariado se deu concomitantemente à marginalização dos ex-escravizados no mercado de trabalho, o que influencia ainda hoje as disparidades em postos de trabalho e salário.

A Lei Áurea de 1888, que oficializou a abolição do regime escravagista, não criou mecanismos para inserção dessas pessoas na sociedade.

“Houve uma ação deliberada do Estado brasileiro para excluir essas pessoas do mercado de trabalho assalariado que estavam começando a se estabelecer no final da escravidão.”

Paola Mineiro, advogada especializada em antidiscriminação no ambiente de trabalho e co-fundadora da Assédio Não BR, empresa que presta consultoria sobre o tema, afirma que os desafios enfrentados por mulheres negras e indígenas são ainda maiores, pois somam a discriminação racial à de gênero e, muitas vezes, à de classe.

Isso se traduz em comentários frequentes no ambiente de trabalho que questionam a capacidade de realizar tarefas ou demonstram o estranhamento quando membros desses grupos ocupam determinados cargos.

“Por exemplo, ‘nossa, você fala muito bem, você se expressa muito bem em público’ ou ‘Nossa, não sabia que você sabia falar outro idioma’. Essas e outras falas revelam uma crença de que poucas mulheres negras têm acesso ao estudo ou ao segundo idioma.”

Embora as discussões sobre diversidade tenham avançado nos últimos anos, Mineiro diz que as companhias precisam investir em letramento racial e na efetividade dos canais de denúncia para ampliar a retenção e o crescimento de grupos sub-representados nas empresas.

Liliam Lopes, 47, diretora de Ouvidoria e Relacionamento com Órgãos de Defesa do Consumidor da TIM, é mentora no programa Pérolas Negras, voltado à aceleração de carreira para pessoas pretas e pardas na companhia. – Paula Giolito – 23.out.2025/Folhapress

Liliam Lopes, 47, que se autodeclara como mulher negra, entrou na TIM como estagiária de Call Center há 25 anos e hoje é diretora de Ouvidoria e Relacionamento com Órgãos de Defesa do Consumidor.

Também atua como mentora no programa Pérolas Negras, voltado à aceleração de carreira para pessoas pretas e pardas na companhia.

Ela acredita que a empresa conseguiu implementar uma cultura sobre letramento racial e desenvolvimento de lideranças que amplia as chances de jovens negros chegarem em cargos de alta gestão.

“As pessoas chegam com vontade de crescer e pensam ‘agora eu tenho espaço e uma mentoria que vai dar o apoio que eu preciso’. Inclusive, a pessoa que eu estou mentorando acabou de ser promovida.”

A TIM aparece em segundo lugar no levantamento nacional que avalia as empresas com os melhores índices de Diversidade, Equidade e Inclusão, produzido pela Folha em parceria com a FGV.

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