Para ler depois e ouvir Lirinha.
Eu tinha ido apenas ao centro espírita, só para tomar um passe e me energizar, mas algo aconteceu entre a minha saída espiritualizada do local e o último gole de cerveja, as 7h da manhã, no Guela Seca, Largo da Batata, São Paulo, Brasil.
É que eu trombei o amor por acaso no terraço de uma festa e ele tem um metro e oitenta, olhos verdes, está perdendo cabelos, fuma, é tímido e faz piadas incríveis.
Contudo, como nem tudo é perfeito, eu o amor nos encontramos em uma das piores fases de nossas vidas. Sabe aquela fase em que você duvida que alguém possa te achar minimamente atraente? Em que você está querendo sumir e poupar a humanidade de ter que conviver com esse desastre da natureza que é você?
Porém, o amor, bem sabemos, tem olhos que vasculham nossa alma, que veem os pontos mais internos e profundos, que ignoram aquilo que não vale a pena e supervalorizam as nossas melhores nuances, fotografando-nos apenas sob nossos melhores ângulos.
Ele não se assusta porque você não tem trabalho e nem dinheiro. Ele não se intimida por você não ter casa. Ele ignora que você já entrou e saiu de um monte de relações. O amor é condescendente e topa ir almoçar com você no dia seguinte, mesmo quando você faz o convite a uma da manhã, depois de ter dito que iria precisar sumir por uma semana. Porque o amor não pede explicações, ele já é em si a justificativa perfeita para qualquer mudança de planos.
O amor chegou numa noite sufocante de verão. Eu topei com ele e falei de projetos feministas. Eu o levei para tomar a saideira no Guela Seca, no largo da Batata e ali, enquanto eu fugia das baratas, o amor me disse coisas ínfimas, que tornaram o mundo mais habitável, pelo menos por aquelas horas, por aquela noite e pelos próximos dias.
Eu não queria me envolver com ele, porque já havia vislumbrado seu vulto muitas vezes, mas ele, ser ardiloso, sempre fugiu de mim, deixando-me à deriva. Todavia, dessa vez, ele não veio com sua pompa e circunstância. Ele se disfarçou de affair primeiro, deixando-me a vontade para fazer, dizer, titubear. Para poder dançar ao ritmo dialético e frenético do desejo e da hesitação.
O amor simplificou as coisas para mim e quando eu lhe disse que “não estava disponível para nada”, ele disse que também não estava, mas pediu meu telefone e foi comigo à exposição da Frida Kahalo. Depois fomos ao cinema, saímos para jantar, vimos filmes em casa, eu cozinhei para ele e foi um desastre. Eu invadi as noites esportivas dele e assisti aos Penguins, aos Lakers, ao Palmeiras e ao Arsenal.
Numa noite de março ou abril, o amor negou meu pedido de namoro. O amor disse que tinha medo de eu ir embora, mas que seu maior medo era me deixar. Eu disse para o amor que também temia e que achava que não conseguiria sofrer tudo de novo, mas que não iria morrer se ele fosse embora. Eu disse para o amor que ninguém morre dele. Aliás, eu enfatizei que nosso tempo era o agora e que tudo que era bom merecia ser vivido até a última gota. Oh yes, Darling, eu ensinei umas lições ao amor, baby! Inclusive apareci em sua casa, bêbada, às 2 da matina com a minha cachorra porque estava morrendo de saudade.
Eu e o amor: muito diferentes! O amor quieto, comedido em suas palavras, crítico que só ele, pessimista até, eu diria, zen-budista, praticando a não ação. Eu, leonina, centro do universo, sempre no palco da vida, eufórica, ansiosa, gargalhando do que quer que seja. Nesse último item, bem que formamos um belo casal – ele fala e eu caio na risada, até quando somos nós o tema da piada.
O amor se instalou definitivo e imperceptível. Diferentemente das outas vezes, em que apenas percebi seu vulto, o amor nesta feita veio a passos lentos e bem premeditados. Não fez muitos convites, mas acolheu os meus. Não assinou contratos, porém foi doce e verdadeiro em cada linha. O amor se abriu para mim, como o Canal da Mancha faz aos seus intrépidos nadadores. Respondeu às minhas perguntas, mesmo quando eu não gostaria de ouvir às respostas e, pela primeira vez, não foi meu algoz, nem meu juiz. O amor não me aprisionou, não comeu meu nome e nem minha identidade.
Ao contrário, o amor, dessa vez, me fortaleceu, me encheu de possibilidades, riu das minhas trapalhadas e trouxe sorvete sempre. O amor instalou-se na minha casa sorrateiro, orgânico e sustentável. Fez macarrão à bolonhesa para o jantar. Fez playlist, foi comigo para Paraty, procurou casa e reside comigo agora na Vila Anglo – nosso pedacinho de interior na enorme São Paulo caótica.
Ele tem me feito desejar ser melhor, mostrando que já sou boa o suficiente. Ele não gosta de dormir abraçado, mas gosta de me abraçar quando acorda. Gosta de cachorros e de televisão. Lê um monte de coisas e me conta muito do mundo exterior, para o qual eu saio muito raramente de dentro de mim. O amor recebe meus amigos em casa, faz sala e é admirado por minha sobrinha de quase três anos que o acha belo. Senta comigo toda noite para assistir Gilmore Girls, se indigna com a injustiça social, tem delírios de eloquência, nunca me desgasta ou magoa. E a nossa convivência vem me transformando a cada dia na pessoa que eu sempre quis ser.
Não sempre, mas algumas vezes, o amor me olha com holofotes vedes que refletem tudo o que ainda temos para viver. Ele é o meu menino e eu sou a menina dele.
O amor comeu meu medo, devorou meu egoísmo, pariu o meu cuidado e amplificou a minha voz.
Amo, logo, existo.