Antissemitismo e racismo

Não dá para ficar calado e buscar justificativas para neonazistas ou supremacistas

Por Guga Chacra Do O Globo

Podem me chamar de intolerante, mas não tenho tolerância para nazistas, racistas, antissemitas, xenófobos, islamofóbicos e homofóbicos. Não tenho tolerância para supremacistas que marcham carregando bandeiras com a suástica e entoando gritos contra judeus. Não tenho tolerância para quem celebra o Holocausto, a escravidão e o apartheid.

Não tenho tolerância para quem acha Hitler melhor do que Mandela. Não tenho tolerância para quem diz que minha filha, por ter pais brasileiros, seria menos americana do que eles apesar de ter nascido em Nova York. Não tenho tolerância para quem prega a morte dos meus amigos judeus, muçulmanos, negros, gays e hispânicos.

Não dá para ficar calado e buscar justificativas para a marcha dos neonazistas em Charlottesville na Virgínia. Não dá para ficar calado ao ver aqueles nazistas de bermuda cáqui gritando que “Jews will not replace us” (“os judeus não nos substituirão”). Não dá para ficar calado diante desses racistas defendendo generais que lutaram pela manutenção da escravidão.

Não dá para aceitar que um supremacista branco pegue um carro e atropele civis. Civis que protestavam pela tolerância, contra o racismo e contra o antissemitismo. Um terrorista que usou para a supremacia branca os mesmos métodos que o grupo Estado Islâmico usa para a supremacia islâmica. Aliás, supremacistas e jihadistas têm em comum não apenas o terrorismo como também a inveja.

Estes supremacistas são normalmente fracassados que querem culpar os outros pela sua própria incompetência e vagabundagem. Eles acham que não deram certo porque, na visão antissemita deles, “os judeus controlam a mídia e os bancos”. Acham que não deram certo, na visão racista deles, “porque os negros têm os mesmos direitos que os brancos”. Acham que não deram certo, na visão xenófoba deles, “porque imigrantes hispânicos roubam os empregos” deles. Acham que não deram certo, na visão islamofóbica deles, “porque os muçulmanos querem destruir o cristianismo”.

Um dos organizadores da marcha do ódio, em entrevista à “Vice” durante os protestos na Virgínia, diz ser necessário para implantar o nazismo “alguém como Trump, mas mais racista”. O problema do presidente, diz este antissemita imbecil, é ter entregue “a sua linda filha para um bastardo judeu”. O genro de Trump, Jared Kushner, é judeu ortodoxo. Ivanka, filha do presidente, converteu-se ao judaísmo. Pouco mais de sete décadas depois do Holocausto, as ideias de Hitler ganham força nos EUA. Dá para ser mais invejoso e mais medíocre do que este antissemita da marcha de Charlottesville?

Nos EUA, a Primeira Emenda da Constituição permite a liberdade total de expressão. Negar o Holocausto e ser nazista não é crime, diferentemente da Alemanha, onde a pessoa será presa se defender Hitler. Tampouco há problema em ser racista, que é crime no Brasil. Mas, neste momento, esperava-se que o presidente dos Estados Unidos se posicionasse com mais vigor contra esses supremacistas. Não era o momento de relativizar, de equiparar os dois lados. Pode-se e deve-se condenar a violência dos antifas (como são conhecidos os ativistas antifascistas), com táticas agressivas de black blocs. Mas eles não pregam o ódio contra judeus, negros, hispânicos, muçulmanos e homossexuais. A diferença é enorme.

Bastava a Trump observar como se posicionaram corretamente outros republicanos, como os ex-presidentes George Bush pai e George W. Bush e os senadores John McCain e Marco Rubio. Ou como fez o ex-presidente Barack Obama, ao lembrar citação de Mandela — “ninguém nasce odiando outra pessoa por causa da cor da sua pele ou da sua origem ou da sua religião”. Mandela que, aliás, lutou contra o ódio do apartheid.

Minha filha é americana e vive no Upper West Side, um bairro majoritariamente judaico liberal. Não sou judeu, mas tenho muito orgulho de que ela crescerá exposta à cultura judaica de Nova York, a cidade mais simbólica do mundo livre. Ela se comportará sempre como uma Mensch (um ser humano decente, em iídiche e no dialeto nova-iorquino), não como um racista Schmuck (babaca, em iídiche e em nova-iorquino).

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