“Querem substituir a Constituição pela Bíblia”, diz sacerdote de matriz africana

Atos de violência contra terreiros de candomblé viralizam nas redes; movimento contra racismo religioso chama ato em SP

Por Juliana Gonçalves, do Brasil de Fato 

Ilustração: Latuff

Quebra tudo, apaga as velas, arrebenta as guias todas! O sangue de Jesus tem poder!”. Essas e outras palavras de ordem fazem parte de um vídeo que viralizou pelas redes sociais, neste final de semana.

Amplamente divulgadas, as imagens mostram uma mulher de branco sendo obrigada a quebrar seus itens religiosos de dentro de um quarto. Segundo as investigações, o homem, autor das falas, estava cumprindo ordens dos mandantes do tráfico de drogas no Rio de Janeiro (RJ).

Como resposta a essa ação violenta, um ato foi realizado na cidade carioca, neste domingo (17). Também em repúdio à intolerância religiosa, outro ato está sendo organizado, em São Paulo (SP), por praticantes das religiões de matriz africana e simpatizantes da causa.

A mobilização será nesta quarta-feira (20), com concentração às 19h, na Praça da República, centro da capital paulista.

Lucas d’Ogum é um dos organizadores e conta que o ato surgiu pela gravidade do ocorrido. Ele cita a situação precária em que vivem os povos de axé, que são frequentemente aterrorizados pelo tráfico, cada vez mais evangélico e fundamentalista.

“Eu tenho amigos no Rio, e eles me relataram a situação de lá. Há morros como o do Dendê que as pessoas precisam se esconder por conta da represália do tráfico contra as manifestações religiosas de matriz africana, o povo de axé”, disse.

Pai Sidnei de Xangô é sacerdote da Comunidade da Compreensão e da Restauração Ilê Àse Sàngó, localizada em Suzano, interior de São Paulo. Para ele, esses atos de racismo religioso contra terreiros fazem parte da onda conservadora que vem assolando o país.

“Mas a grande verdade é que eles estão se aliando para nos destruir. Ninguém pode ver isso com bons olhos. Nós estamos numa luta desigual, desleal, que faz parte, inclusive, do projeto de genocídio do povo preto”, denuncia.

Os números do Disque 100 colaboram para a visão de Pai Sidnei. De 2011 para 2016, o número de denúncias sobre racismo religioso em todo o país aumentou de apenas 15 para mais de 750.

Neste sentido, Pai Sidnei também alerta para o contexto de conivência da sociedade diante da intolerância religiosa. “Nós estamos vivendo um momento em que as pessoas querem, inclusive, substituir a Constituição Federal pela bíblia”, disse.

Já Lucas d’Ogum espera que, com o ato, a sociedade possa abrir os olhos para o significado da religião afro para a vida de cada um. “Quando eu encontrei a matriz africana, a fé preta, foi um reencontro com a minha própria identidade porque é sobre política, sobre o que eu sou, sobre a nossa história, sobre a ancestralidade. Foi um ponto importante para me reconhecer como uma pessoa”, lembrou.

O ato em São Paulo também contará com a presença do bloco afro Ilú Obá de Min e da deputada estadual Leci Brandão, do PCdoB.

 

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