Apenas 17% dos programadores brasileiros são mulheres

Relatório da Unesco mostra a dificuldade de mulheres para entrar nos mercados de tecnologia — que remuneram bem — e ciência

POR DANIELA FRABASILE, do Época

MULHERES ENTRE PROGRAMADORES AINDA SÃO RARIDADE. NO BRASIL, ELAS RESPONDEM POR APENAS 15% DAS MATRÍCULAS EM CURSOS NA ÁREA (FOTO: PEXELS)

A diferença salarial entre homens e mulheres persiste em muitos setores e elas seguem como minoria nas diretorias e nos conselhos das empresas. Em tecnologia e ciências, a discrepância aumenta. Elas são minoria nos cursos de ciências e tecnologia nas faculdades e correspondem a apenas 17% do total de programadores — ou seja, ficam fora de uma das carreiras mais promissoras, que oferece boas perspectivas de remuneração, ascensão profissional e visão de novos negócios. Os dados foram apresentados nesta segunda-feira (05/02), no evento Por um Planeta 50-50: Mulheres e meninas na ciência e tecnologia, realizado pela Serasa Experian em parceria com a ONU Mulheres.

Isso representa um problema também para as empresas, porque equipes mais diversas tendem a ter melhor desempenho em quesitos como resistência à corrupção, percepção de mudanças de cenário e empatia com clientes de perfis variados — ou seja, tornam empresas mais lucrativas.

Adriana Carvalho, da ONU Mulheres, alertou para a importância de promover a participação das mulheres nesse setor. “Estamos no meio de uma grande transformação no mundo de negócios e da tecnologia. Isso é um desafio, mas também uma janela de oportunidade”, diz. “Se a gente precisa se reinventar para esse novo mundo, vamos nos reinventar corretamente”.

A vice-presidente de vendas e marketing da Serasa Experian, Manzar Feres, usou a própria empresa como exemplo: globalmente, a Serasa tem 52% de homens e 48% de mulheres, uma situação de equilíbrio. Na área de tecnologia da informação, a história é diferente.

As programadoras compõem apenas 23% da equipe de TI. A Serasa Experian fez planos para mudar a situação. “Queremos ampliar a parceria com empresas e comunidades para inspirar meninas em tecnologia”, diz. A empresa investe no recrutamento de candidatas mulheres: em todos os processos, é necessário que mais da metade dos candidatos sejam mulheres e que haja preferencialmente uma mulher afrodescendente. Por último, a empresa criou um programa de mentoria específico para mulheres no mercado de tecnologia.

Manzar também comentou sobre a baixa representatividade de mulheres em cargos de gerência e a necessidade de enfrentar o problema. “Sabemos que as mulheres perdem o engajamento em um momento da vida. A resposta mais óbvia é que isso acontece na gravidez do primeiro filho — mas estamos fazendo uma pesquisa, ainda nos estágios iniciais, e estamos vendo que isso acontece mais quando há alguma separação na família ou em alguma perda importante”, diz.

A baixa participação das mulheres nos cursos de ciências e tecnologia cria um desafio às empresas que buscam aumentar a diversidade em seus quadros. Renata Torres, managing director da Accenture, afirmou que a empresa se colocou o desafio de ter 50% de mulheres em sua força de trabalho até 2025 (atualmente o número está em 40%), e 25% de mulheres como managing directors. Mas no Brasil hoje, apenas 15% das matrículas nos cursos de tecnologia são feitas por mulheres. E no primeiro ano de faculdade, 8 de cada 10 mulheres desistem de cursar faculdades de tecnologia, segundo números da Pnad.

Outro desafio: 41% das mulheres que atuam na área de tecnologia desistem de suas carreiras, contra apenas 17% dos homens, segundo uma pesquisa da Harvard Business Review. Na Accenture, a solução foi mudar a forma de seleção. “Estamos nos aproximando dos grupos de mulheres de tecnologia, precisamos ir onde as mulheres estão. Não adianta fazer processos de recrutamento como sempre fizemos”, afirma Renata.

Alexandre Scaglia, diretor de comunicação para América Latina da CA Technologies, reconheceu que o mercado de tecnologia é essencialmente masculino e que acaba expulsando as mulheres que entram nele. Segundo ele, apenas 17% dos programadores no Brasil são mulheres. Scaglia defende que para mudar esse cenário, é preciso incentivar meninas e mulheres a seguir a carreira de tecnologia. “É preciso trabalhar desde o começo, para que elas entendam que esse é sim um caminho possível para elas”, disse.

Para responder a esse problema, a empresa criou um programa para ensinar lógica básica de programação a meninas em um bairro carente em São Paulo. “Nós gostaríamos de trabalhar com meninas de até 14 anos, mas era preciso ter conhecimentos básicos em computação – saber mexer no Windows – e a deficiência é tão grande que precisamos aumentar um pouco a idade e aceitamos meninas de até 16 anos”. A empresa também trabalha com a ONG Programaria, que ensina programação a mulheres.

Fábio Soares Eon, coordenador do setor de ciências naturais e ciências humanas e sociais da Unesco, apresentou dados coletados pela organização sobre a participação das mulheres na ciência. Apenas 28,4% da pesquisa científica no mundo é feita por mulheres. No Brasil, elas representam 33,1% dos graduados em carreiras STEM (ciências, tecnologia e matemática) e 29,5% dos formados em engenharia. A representação das mulheres cai conforme se sobe a pirâmide da vida acadêmica: em física, elas representam 30% dos graduados, 20% dos que terminam mestrado e doutorado, 15% dos professores universitários e 5% dos membros da Academia Brasileira de Ciências.

Olhando para o reconhecimento mais alto das carreiras de ciências, o prêmio Nobel, a desigualdade se mantém. Desde 1901, 97% dos laureados em ciências eram homens – apenas 18 mulheres receberam a honraria, entre 590 prêmios científicos. “A Academia Sueca tem um sigilo de 50 anos sobre os candidatos ao prêmio. Eles têm seus motivos, mas isso dificulta o nosso entendimento sobre essa ‘caixa preta’”, diz Fábio Eon. Ele falou também sobre o chamado Efeito Matilda: muitas vezes, mesmo que as mulheres façam grande parte das pesquisas, os homens levam o crédito por elas.

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