Aranha, Balotelli e a página racista no Facebook em homenagem à torcedora do Grêmio

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A atitude do goleiro Aranha, do Santos, ao enfrentar a torcida do Grêmio tem ajudado a tirar do armário o racismo no futebol e a velha cascata da nossa democracia racial.

A mais recente estultice criminosa, certamente não a última, é uma página no Facebook chamada “Apoiamos Patricia Moreira contra a hipocrisia do Politicamente Correto”. Patrícia, você sabe, é a torcedora flagrada pelas câmeras gritando “macaco”.

A conta é recheada de sandices dignas de um gentili, talvez um pouco piores, mas positivamente derivativas. O objetivo é “fazer você entender como funciona esse jogo doentio e hipócrita por parte desses esquerdistas de faculdades do Marxismo Cultural”.

E dá-lhe referências a Bolsonaro, às cotas, a negros famosos com mulheres brancas, a Jesus Cristo (sim). Cinco mil almas tinham dado uma curtida na fanfarronice ariana sangue de boi.

Aranha está desempenhando, no Brasil, um papel parecido com o de Mario Balotelli na Europa. Falta ao brasileiro só a marra. Na última rodada do campeonato inglês, Balotelli, que é do Liverpool, tirou um sarro dos rivais do Manchester United, que apanharam do Leicester.

“Man utd… LOL”, escreveu no Twitter (mal traduzindo, Man utd… que piada). Foi o bastante para uma enxurrada de xingamentos aparecer. O mais gentil o definia como “macaco sujo” e lhe sugeria que fosse “comer bananas” e “pegar ebola”. A polícia britânica está investigando o caso.

A desculpa, tanto lá como cá, é que o jogador fez uma “provocação”, quem mandou, e que futebol é assim, mesmo. Balotelli é atrevido e não sabe se comportar, como Aranha. No mundo ideal dessa turma, o problema é chamar atenção para a agressão covarde, não a agressão covarde em si.

A importância de Balotelli reside no fato de não ser submisso e de causar encrenca. Quem descreve isso bem é o antigo companheiro de Mario no calcio italiano, Andrea Pirlo. (Meu sobrinho Teófilo W tem uma admiração enorme por Pirlo, não apenas pela barba hirsuta e o queixo quadrado).

Em sua autobiografia, Pirlo faz um diagnóstico preciso de Balotelli e dos racistas:

“Eu não tenho certeza se ele gosta disso, mas Mario é um tipo especial de remédio, um antídoto para o veneno potencialmente letal dos racistas. Eles são um bando verdadeiramente horrível, um rebanho de indivíduos frustrados que retiraram da história o que ela tem de pior e fizeram a própria. E eles não são apenas uma minoria, apesar do que nos querem fazer crer alguns ingênuos.

Sempre que vir Mario em treinando na Itália, eu vou recebê-lo com um grande sorriso. É a minha maneira de deixá-lo saber que o apóio e que ele não deve desistir. Um gesto que significa “obrigado”. Ele é muitas vezes alvo de insultos. Vamos dizer que a maneira como reage não lhe traz de volta muito amor, mas ainda estou convencido de que, se ele fosse branco, as pessoas iriam deixá-lo em paz.

No estádio da Juventus, ouvimos de tudo. Barulhos imitando macacos em praticamente todos os lugares. Mas em vez de pressionar Mario, esse comportamento imbecil parece animá-lo. Ele não vai deixar esse lixo humano conseguir o que quer, e essa é a resposta mais inteligente porque, se você ouvir o que uma pessoa estúpida diz, você a eleva à condição de interlocutor.

Se você simplesmente ignorar esses idiotas (reconhecendo que, infelizmente, eles existem) você os está deixando cozinhar em seu próprio mar poluído: aquele onde não existem amigos e nem margens. A boa notícia é que mesmo os tubarões morrem de solidão depois de um tempo.

Prandelli [ex-técnico da Azzurra] deu-nos um conselho sobre o assunto: ‘Se vocês ouvirem as pessoas nas arquibancadas desrespeitando Mario, corram para abraçá-lo’. Segundo essa idéia, o ódio pode ser anulado por uma dose equivalente de amor.

Estou feliz que Mario seja do jeito que é. Ele vai reagir às provocações dentro de campo, mas não deixará o que está acontecendo no meio da multidão afetá-lo. Se ele marca um gol, pode colocar o dedo sobre os lábios para zombar dos torcedores adversários, algo que os enfurece, mas se eles lhe disserem que a cor de sua pele é errada, ele simplesmente vai rir na cara deles.

Ele os faz de tolos completos e emerge como um vencedor.”

Longa vida a Aranha, Balotelli e, claro, Pirlo.

Sobre o Autor

Diretor-adjunto do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.

 

 

Fonte: DCM

 

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