ARTIGO: ‘Diante de um ambiente econômico incerto, empoderar as mulheres no trabalho é a chave’

Em artigo de opinião, a brasileira e diretora regional da ONU Mulheres para Américas e Caribe, Luiza Carvalho, pede que países desenvolvam políticas para reduzir as desigualdades de gênero no mercado de trabalho. Na América Latina, homens ganham em média 19% mais do que as mulheres, e 55% dos postos ocupados por elas estão na economia informal. Mulheres realizam de três a cinco vezes mais trabalho doméstico não remunerado do que os homens.

Por Luiza Carvalho, diretora regional da ONU Mulheres para Américas e Caribe

Esta semana, ministras da mulher de mais de 30 países latino-americanos e caribenhos estão, no Panamá, participando da preparação da sessão anual do principal órgão mundial em matéria de igualdade de gênero: a Comissão da ONU sobre a Situação das Mulheres (CSW, na sua sigla em Inglês). Neste ano, o tema prioritário é o empoderamento econômico das mulheres no mundo de trabalho, o qual está em mutação.

Luiza Carvalho, diretora regional da ONU Mulheres Américas e Caribe, na consulta regional preparatória da 61ª Sessão da Comissão da ONU sobre a Situação das Mulheres, que acontecerá em março deste ano, em Nova Iorque. Foto: ONU Mulheres Américas e Caribe

O debate não poderia acontecer num momento mais oportuno. A economia da América Latina e Caribe se contraiu em 2016 e, para 2017, se projeta um tímido crescimento de 1,3%, segundo as Nações Unidas. Empoderar economicamente as mulheres abre uma possibilidade real de reverter esse cenário: estima-se que, ao superar as lacunas de gênero no mercado de trabalho, seria possível aumentar o PIB per capita, na região, em 14%.

Apesar de alguns avanços, as lacunas persistem em todos os estratos sociais. As mulheres se deparam com três realidades diferenciadas no mercado de trabalho. Num extremo, nos chamados “pisos escorregadios”, estão as mulheres mais pobres e com menores níveis de instrução, confinadas em setores de baixa produtividade e alta precariedade, com escassas possibilidades de progresso. No outro extremo, estão as mulheres que desenvolveram as suas capacidades e contam com recursos para ascender a trabalhos com melhor qualidade, mas que se chocam contra os “tetos de vidro” que limitam o seu crescimento e bloqueiam seu acesso à tomada de decisões.

Entre esses dois extremos, nos “degraus quebrados”, estão as mulheres com níveis médios de formação laboral, as quais não contam com cobertura ou acesso pleno à proteção social, incluindo o cuidado, e permanecem altamente vulneráveis à volatilidade do ambiente econômico.

As cifras são contundentes: os homens ganham, em média, 19% mais que as mulheres na América Latina, e 55% dos empregos das mulheres estão na economia informal.

Se isso fosse pouco, as mulheres realizam entre três e cinco vezes mais trabalho doméstico e de cuidado sem remuneração que os homens, e um terço delas não têm renda própria.

Para fazer frente a isso, são indispensáveis leis que disponham, entre outras, sobre remuneração igual para trabalho de igual valor, não discriminação por razão de sexo na contratação e proibição de assédio sexual no local de trabalho. Ademais, são necessárias medidas para reconhecer, reduzir e redistribuir o trabalho doméstico e de cuidados não remunerado, por meio do investimento em serviços básicos, infraestrutura e serviços de cuidado infantil.

E é fundamental – de particular relevância para a América Latina e Caribe – , garantir os direitos das trabalhadoras domésticas, que representam 14 de cada 100 mulheres no mercado de trabalho, por meio da ratificação da Convenção 189 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que exige dos Estados estender-lhes os direitos trabalhistas básicos, incluindo horas extras, férias anuais remuneradas, salário mínimo e condições de trabalho seguras.

Este complexo temário é que estará diante das representantes dos governos da América Latina e Caribe, na reunião no Panamá, a qual também receberá destacadas economistas e diversas organizações e redes da sociedade civil e do movimento regional de mulheres, para contribuir à análise e ao debate, valendo-se da sua ampla experiência.

Como sempre, as expectativas são altas e é muito o que está em jogo. Não podemos reativar nossas economias de forma duradoura, se a metade da sua força de produtiva e criativa permanece em empregos mal pagos e de baixa qualidade, sem acesso à tomada de decisões e assumindo a carga do trabalho de cuidado sem remuneração, a qual se intensifica em períodos de desaceleração econômica e austeridade fiscal. Para construir economias mais justas e sustentáveis, que funcionem tanto para homens como para mulheres – e beneficiem a sociedade em seu conjunto –, temos que mudar essa equação.

+ sobre o tema

Lutar pelo direito ao aborto no Brasil é transitar a realidade e a utopia

A realidade e os impactos da criminalização do aborto...

Feminismo suave não liberta, mas gera lucro

Por que o feminismo existe? Puxo essa provocação com...

Sem ministras, Brasil perde 22 posições em ranking de igualdade de gênero

A ausência de mulheres no comando de ministérios do...

Árbitro que assumiu ser gay volta a apitar e recebe ameaça de morte

Jesús Tomillero tem só 21 anos, mas já está...

para lembrar

Os 20 anos da grande obra de Conceição Evaristo

Lá fora, no céu cor de íris, um enorme...

É possível uma ressonância magnética do aborto no Brasil?

Por: FÁTIMA OLIVEIRA Ressonância magnética é exame de imagem, como...

Não se assumir gay pode prejudicar carreira profissional, diz especialista

O dilema sobre sair ou não do armário no...

Justiça não acatou provas e obrigou filha a morar com pai estuprador, diz conselho

Para conselheira, nem sempre palavra da criança é levada...
spot_imgspot_img

Ativistas do mundo participam do Lançamento do Comitê Global da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver

As mulheres negras do Brasil estão se organizando e fortalecendo alianças internacionais para a realização da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem...

Iniciativa Negra debate mulheres, política de drogas e o encarceramento em evento presencial

São Paulo, março de 2025 – A Iniciativa Negra convida a sociedade para mais uma edição do Boteco Brasileiro de Política de Drogas. O...

Empreendedorismo feminino avança, mas negras têm obstáculos com receita e tempo de dedicação

O empreendedorismo feminino avança no Brasil, refletindo tendência global de igualdade na abertura de negócios por homens e mulheres, mas questões relacionadas a cor e raça colocam negras em desvantagem. O...
-+=