As cores não contam?

Alexandre Brasil Fonseca

O Conselho Universitário, órgão máximo de decisões da UFRJ, tem discutido nos últimos meses a adoção de um conjunto de ações relacionadas ao ingresso e à permanência de estudantes de camadas de baixa renda na universidade para o ano de 2011. O limitado acesso à educação superior no Brasil é uma das expressões mais significativas da desigualdade social existente no país.

Renda, origem geográfica e cor da pele são alguns dos elementos que demarcam e reforçam as diferenças entre os que têm acesso à educação dos que não têm. Se hoje apenas 13% dos jovens com idade entre 18 e 24 anos estão no ensino superior, no Nordeste este percentual cai para 7,5%, enquanto na região Sul alcança 16,6% dos jovens. Entre os jovens que se declaram brancos, 19,8% frequentam universidades; já entre pretos e pardos esse percentual é quase três vezes menor (6,9%). Entre os mais ricos – famílias com renda per capita superior a cinco salários mínimos – este percentual chega a 71%, valor significativamente mais alto do que os 4% alcançado entre os jovens mais pobres, com renda familiar per capita de até um salário mínimo.

Por mais que haja associação destas variáveis, chama a atenção que mesmo entre os mais ricos o fato de ser negro representa uma menor escolaridade e uma menor renda. Há no Brasil uma desigualdade que é diretamente associada à cor da pele e isso somente será superado no momento em que políticas públicas e ações afirmativas sejam desenvolvidas de forma a reconhecer esta realidade. As cotas étnicas, a partir da declaração dos estudantes, seria um desses mecanismos disponíveis para diminuir a desigualdade.

Contudo, o Conselho Universitário da UFRJ deliberou pela adoção de cotas sociais para 20% das vagas , destinadas a alunos de escolas públicas estaduais e com o uso do ENEM como forma de ingresso. Dessa forma, a UFRJ ganhará com uma maior diversidade em relação à origem geográfica de seus novos alunos, além de favorecer o ingresso de alunos de escolas públicas. Este percentual representa um pequeno avanço, maior do que o inicialmente proposto pela reitoria, tendo impacto efetivamente nos cursos de alta procura, como Medicina e Direito.

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Alunos que ingressem por meio de cotas não representam alunos de “segunda classe” e nem entram pela “porta dos fundos”. A educação é um direito destes e as históricas desigualdades brasileiras representam um empecilho para que estes jovens possam ter acesso ao ensino superior.

São cerca de 2 milhões de jovens que concluem o ensino médio em escolas públicas estaduais no Brasil e cerca de 100 mil no Rio de Janeiro. A UFRJ, em 2011, estará aberta para receber um pequeno percentual desses alunos, aqueles que tiverem o melhor desempenho e que trarão a importante contribuição de ampliar a diversidade do corpo discente e que certamente contribuirão na manutenção e na ampliação da excelência que historicamente demarca o ensino, a pesquisa e a extensão da UFRJ.

Nesta discussão sobre a democratização da universidade e a adoção de ações afirmativas para estudantes de camadas de baixa renda, uma questão fundamental são as condições relacionadas à permanência desses estudantes. Os recursos por aluno destinado ao ensino superior no Brasil, apesar de comparativamente baixos em relação ao volume da riqueza nacional, são significativos, como revela o documento Education at Glance 2009. Porém quando observados detalhadamente destaca-se o pouco apoio à pesquisa e aos estudantes. Enquanto os valores gastos com as despesas correntes por aluno no Brasil são maiores do que a média dos países mais ricos filiados a OCDE, os valores destinados à assistência estudantil e à pesquisa são mais do que quinze vezes inferiores ao da média desses países.

A adoção de cotas sociais representa uma importante ação da UFRJ. Este é um pequeno, mas significativo passo que precisa ser dado em relação ao acesso ao ensino superior no Brasil. As decisões feitas em relação ao ingresso em 2011 representam uma primeira experiência, a qual será observada e municiará a continuidade de um amplo e abrangente debate no interior da UFRJ, para que haja uma contribuição ainda mais significativa para a democratização do acesso ao ensino superior no país.

Nas próximas semanas serão realizadas discussões para a formulação de proposta a ser adotada a partir do ingresso de 2012 e que tenha um período maior de experiência do que a proposta recém-aprovada para o acesso de 2011. Tenho a expectativa de que possamos efetivamente debater, como se espera que ocorra no ambiente universitário, a pertinência e os dados que corroboram a adoção de cotas sociais conjugadas às cotas étnicas, pois afinal no Brasil, infelizmente, as cores contam.

*Alexandre Brasil Fonseca é professor da UFRJ.

Este artigo foi escrito por um leitor do Globo.

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