As estátuas também falam

Personagens que simbolizam a exclusão e o extermínio de povos originários representam o inverso dos ideais democráticos de justiça

Raros monumentos têm voz (fruto da tecnologia, é bom dizer). Contudo, todos falam e dizem muito sobre os valores prestigiados por uma sociedade. Afinal, toda estátua cumpre um papel político. E é exatamente por isso que um Estado que se pretende democrático de Direito não deve render homenagem pública a figuras responsáveis por ações abjetas e condenáveis na atualidade em razão do flagelo e da morte de milhares de pessoas subjugadas e escravizadas.

Estátua do bandeirante Borba Gato, que foi incendiada em 2021 – Ronny Santos – 23.set.21/Folhapress

Como se sabe, o debate sobre a retirada de monumentos “controversos” instalados em espaços públicos —bem como a renomeação de prédios e ruas com nomes de personagens ligados à escravização— ganhou corpo mundo afora com a derrubada da estátua de um traficante de seres humanos escravizados no Reino Unido, em 2020 (após a morte de George Floyd, homem negro assassinado por asfixia pela polícia nos EUA).

Nos últimos dias, duas decisões opostas trouxeram o tema novamente à tona no Brasil. O prefeito do RJ revogou a lei municipal que proibia homenagens a escravocratas e eugenistas em locais públicos. A Defensoria Pública da União (DPU) emitiu nota técnica sustentando o contrário em âmbito nacional.

Segundo a DPU, a retirada do nome de personagens associados ao escravismo, racismo e eugenia de locais públicos é medida “reparatória coberta de legalidade, eficácia, razoabilidade e legitimidade, sendo capaz de produzir efeito reverso ao tributo prestado outrora”. Significa que “o Estado brasileiro, em sua atual conformação democrática, não compactua com a manutenção de deferências carregadas de violência contra grupos vulnerabilizados, em especial contra a população negra brasileira.”

Personagens que simbolizam a exclusão e o extermínio de povos originários representam o inverso dos ideais democráticos de justiça, equidade e respeito. O lugar adequado para as estátuas dessa gente são os museus —e com a devida contextualização histórica sobre a atuação de cada um e o respectivo impacto causado na contemporaneidade.


Ana Cristina Rosa – Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública)

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