As lições da Noruega sobre feminismo

Evento em Brasília discute equidade de gênero e traz exemplos do país nórdico. Por lá, mulheres ocupam 40% dos cargos de liderança nas empresas

por Joanna Burigo , da Carta Capital 

Palestrantes debatem sobre a importância da participação de mulheres na política e como elas podem ocupar 50% das cadeiras parlamentares até 2030 (Reprodução Facebook/Felipe Irapuan)

Brasília se enche de discussões sobre gênero e política durante esta semana, como parte do Seminário Internacional Equidade de Gênero: Representação Política de Mulheres, que acontece na Enap (Escola Nacional de Administração Pública), em parceria com a série Diálogos Nórdicos. Diversos eventos fomentarão debates questionando as formas como a cultura patriarcal opera a equidade de gênero na política, os desafios para as mulheres nos parlamentos, e como chegar a cidades 50-50 até 2030.

As Embaixadas Nórdicas (Noruega, Finlândia, Dinamarca e Suécia), bem como a UnB (Universidade de Brasília), a ONU Mulheres Brasil, ONGs e agentes independentes colaboram para que esta programação intensa aconteça. Paralelamente a estas atividades, na Câmara dos Deputados a pauta da reunião confirmada da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher desta quarta-feira, 13 de junho, também é mulheres na política.

Diálogos Nórdicos tem o objetivo de ampliar o espectro de soluções viáveis para alguns dos desafios atuais do Brasil. O projeto almeja promover engajamento e inspirar diálogos sobre perspectivas e experiências da região nórdica. No evento deste ano, especialistas debaterão a equidade de gênero como benefício para a sociedade como um todo, e as principais vantagens da paridade para a política, a economia, e o bem-estar social.

Abrangendo aspectos políticos, pedagógicos e culturais, e visando fortalecer e consolidar sinergias entre perspectivas nórdicas e o Brasil, o projeto segue recomendações da Agenda 2030, e suas escolhas temáticas são inspiradas pelas Metas de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. A primeira edição vem promovendo a equidade de gênero– e já em maio, a convite da Innovation Norway, estive no Sistema FIRJAN para mediar o debate “Igualdade de Gênero: a importância da estrutura organizacional, processos e boas práticas”, no qual trocamos conhecimentos sobre a implementação de ações de fomento à diversidade em empresas. O projeto segue por três anos, e em 2019 foca nas relações entre instituições e indivíduo, e em 2020 no desenvolvimento responsável e sustentável.

Participarei do Seminário e dos Diálogos em mais de um evento, a convite da Embaixada Real da Noruega em Brasília, que, em outubro de 2017, enviou a mim (e a ninguém menos que Djamila Ribeiro) para Oslo, com a missão de explorar discursos e práticas de equidade de gênero na Noruega, bem como trocar conhecimentos e práticas pedagógicas feministas. Esta semana intensa, com encontros com organizações e grupos que buscam por equidade, nos forneceu um panorama bastante amplo dos debates e aplicações do pensamento orientado por gênero no país.

No Diretório Norueguês para crianças, jovens e assuntos de família, soubemos que programas de licença parental são um dos maiores incentivos para que ambos os pais compartilhem não só as responsabilidades com o cuidado infantil, mas outros afazeres domésticos. E ainda contribui para a economia e para o equilíbrio entre horas de trabalho produtivo e reprodutivo realizados por homens e mulheres.

No Ministério das Relações Exteriores, conversamos sobre a situação política do Brasil, e nos impactou a surpresa com que membros do comitê receberam nossas notícias sobre os embates contra o que, aqui, chama-se de “Ideologia de Gênero”.

Em reuniões com feministas localizadas em sindicatos, associações de indústria e comércio e universidades e centros independentes de pesquisa e informação, aprendemos que, apesar da implementação do Feminismo de Estado (políticas públicas com embasamento feminista, criadas ou aprovadas por governos de uma nação) das décadas de 1960 e 1970, e do evidente  progresso desde então, ainda há bastante trabalho pela frente – hoje sobretudo no que diz respeito às intersecções entre gênero, raça e imigração. O país tem uma cultura de equidade, o que não significa que esta tenha sido assimilada por todos os cidadãos, e ainda existem discriminações e obstáculos sociais baseados em racismo e xenofobia – ademais, muitos noruegueses buscam esposas estrangeiras justamente para contornar a expectativa de equidade sinalizada pelas mulheres nórdicas.

Em um encontro organizado pela Câmara de Comércio Brasil Noruega na Sala Cultural da Embaixada do Brasil em Oslo realizamos um seminário do qual participou uma maioria significativa de mulheres brasileiras. Elas reportaram que, apesar da positiva mudança na percepção social sobre papeis e normas de gênero, ainda há muito o que batalhar na direção de equalizar salários e a presença de mulheres em cargos de liderança. Apesar de ser senso-comum encontrar homens que trabalham, por exemplo, em creches, ainda é menos regular ver mulheres na gestão de empresas.

Nos surpreendeu bastante descobrir que a política de cotas que estabelece um mínimo de 40% de cada gênero nas lideranças das empresas estatais e listadas na bolsa de valores foi iniciativa do partido conservador – ao que tudo indica, ser conservador na Noruega é bastante diferente de ser conservador no Brasil. Fica evidente que, embora algumas perspectivas ideológicas sejam comuns lá e cá, a discussão norueguesa não parece girar em torno de “criar ou não” políticas públicas de gênero, mas sim de “como efetuá-las”.

No Seminário sobre Educação Feminista em Tempos de Crescente Conservadorismo, que realizamos no Centro de Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade de Oslo, o foco era na pedagogia feminista e na dimensão das questões sobre as quais ainda precisamos trabalhar – e a recepção dos nossos métodos por membros da faculdade nos deixou bastante animadas para seguir adiante.

Participamos também de encontros extraoficiais, e em um debate sobre o legado da Copa do Mundo, organizado por brasilianistas noruegueses, lembramos eles – três homens e uma mulher, todos brancos – que discussões identitárias não são secundárias, como sugerido frequentemente. Mas sim prioritárias, visto que a sociedade (portanto a política) não é composta de hologramas, mas sim por corpos – e foram corpos negros os mais prejudicados pelas mudanças urbanas que ocorreram no Rio de Janeiro após o megaevento esportivo do Capital internacional. Disputa tensa, porém infelizmente recorrente demais – seja aqui ou no contexto nórdico.

Há mais observações sobre esta missão do que eu poderia fazer neste curto espaço, mas é fundamental salientar que são as falhas do poder público que reverberam diretamente na cultura e na sociedade, e que refletem negativamente na vivência das mulheres brasileiras. A ainda baixa compreensão institucional da importância e urgência deste tema precisa ser combatida – é urgente pensarmos na diversidade e na equidade como soluções, e não problemas. São as desigualdades o que invariavelmente se transforma e violências, e uma cultura de paz e prosperidade precisa contemplar o valor da justa equidade.

No seu discurso de encerramento do evento da Innovation Norway na FIRJAN em maio, a Consul Geral da Noruega Sissel Hodne Steen nos disse com todas as letras: “Mulheres, poder não é concedido a ninguém. Poder a gente vai lá, e pega”. Estou segura de que aquelas de nós que estarão na capital debatendo mulheres na política durante esta semana concordam.

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