Tem se tornado cada vez mais corriqueiro culpar o Supremo e a conduta de alguns de seus membros pelos ataques que recebem de Bolsonaro e seus apoiadores. Da mesma forma que agressores de mulheres buscam justificar os seus atos violentos a partir da conduta pretensamente inapropriada das vítimas, o bolsonarismo vê na independência do Supremo uma postura intolerável que merece ser “enquadrada”.
Não há dúvida de que o tribunal comete erros, bem como as condutas de alguns de seus membros são passíveis de crítica e reprovação. Assim como o Congresso, os partidos, as Forças Armadas, a imprensa, as igrejas, as empresas ou as universidades, o Supremo também erra. E esses erros só poderão ser corrigidos se forem objeto de constante escrutínio da sociedade. Logo, criticá-los é fundamental para quem acredita na capacidade de uma sociedade aberta e democrática de aperfeiçoar suas instituições.
O fato, porém, é que os ataques de Bolsonaro e de seus aliados ao Supremo parecem decorrer mais de acertos do que de erros do tribunal. Mais de suas virtudes do que de seus vícios. Não falo aqui em virtudes no sentido de moral individual, mas da capacidade institucional do tribunal de cumprir o seu papel no sistema de freios e contrapesos estabelecido pela Constituição.
Judiciários fracos, omissos ou subalternos não criam maiores problemas para quem quer exercer o poder de forma abusiva. Apenas computam o que podem ganhar, em termos corporativos ou mesmo pessoais, ao facilitar a vida de ditadores ou seus apaniguados. Logo, não há porque confrontá-los, basta cooptá-los. Sai mais barato.
O problema surge quando o Judiciário não se submete ao arbítrio e aos caprichos do governo de plantão. Esse parece ser o caso do Brasil, na atual conjuntura. Embora o Judiciário brasileiro não seja perfeito, nem monolítico na defesa da democracia, coube ao Supremo um papel central no controle de desmandos e agressões à Constituição. É essa postura que alimenta o ódio daqueles que querem viver à margem do regime constitucional.
Ao assegurar a estados e municípios a prerrogativa de empregar métodos científicos para combater a pandemia; ao colocar limites ao emprego da força em operações policiais junto às comunidades; ao determinar investigações sobre a conduta de milícias digitais que ameaçam a democracia; ao assegurar o direito dos povos indígenas; ou se colocar na defesa do sistema de votação eletrônica, contrapondo-se aos anseios do bolsonarismo, o tribunal tornou-se o alvo preferencial do presidente e de seus seguidores.
Surge, assim, uma situação paradoxal. Quanto mais aferrada for a postura do tribunal no exercício de sua função de guarda da Constituição, maior será a virulência dos ataques, como pudemos testemunhar neste Sete de Setembro. Demonizar individualmente ministros que têm sob sua responsabilidade processos caros ao governo é apenas uma estratégia voltada a aplacar a autoridade de toda a corte. É importante destacar, nesse aspecto, que apenas dois em cada dez brasileiros entendem que seja justificável o fechamento do Supremo, conforme aponta o Índice de Confiança da Justiça de 2021, da FGV/EDESP.
Os acenos de recuo por parte do presidente, em carta escrita com punhos de renda, além de insinceros, têm por único objetivo abrir arestas em um colegiado que há muito não agia de maneira tão coesa no cumprimento de sua missão constitucional.