Ataques racistas contra a juíza Helenice Rangel não podem ficar impunes

Causídico que ofendeu magistrada pode ser expulso da Ordem dos Advogados do Brasil

“Magistrada afrodescendente” com “resquício de senzala” e “memória celular dos açoites”. Estes são alguns dos termos ofensivos desferidos pelo advogado José Francisco Barbosa Abud contra a juíza Helenice Rangel Martins, titular da 3ª Vara Cível de Campos dos Goytacazes, comarca da região do norte fluminense do estado do Rio de Janeiro. Independente da região de origem, o tratamento infame de sentido racista, banalizou-se de forma pública e privada na sociedade brasileira.

Os termos racistas na petição apresentada pelo advogado são partes de um problema maior que afeta uma sociedade que resiste em aceitar a presença de pessoas negras nos postos de comando, especialmente nos cargos da magistratura, hoje representada apenas por 18% dos magistrados do país, de acordo com dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Qualquer um aqui sabe, como eu sei, que este não é caso único –e está longe de ser também o último. Mas é preciso destacar, em situações como essas, que a gravidade das ofensas é parte constituinte do problema racial existente no Brasil.

Com base nos dados levantados pelo Disque 100, canal de denúncia do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, em 2024 foram registradas 3,4 mil denúncias de racismo e injúria racial, além de 5.552 processos criminais relacionados ao racismo.

O número é alto, tanto que supera a série histórica iniciada há quatro anos, sendo 64% maior em comparação ao ano de 2023.

Esses números são de pessoas anônimas, marcadas apenas pela cor da pele –pretas e pardas , mas sem rosto e identidade social definida, o que não é o caso da juíza negra Helenice Rangel Martins, que tem voz ativa na magistratura nacional. Mas independente de posição social, nenhum caso deve ficar impune e sem a devida publicidade legal, para não ficar marcado somente na estatística oficiais.

O racismo é processo desgastante e doentio para a população negra. Racismo é crime, ele fere e mata pessoas inocentes que, no geral, só querem tocar suas vidas de forma civilizada e pacífica. Por isso, a punição a criminosos, como o advogado José Francisco Barbosa Abud, não deve ser relaxada.

Ontem a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), numa cerimônia marcada com belo discurso da nossa filósofa Djamila Ribeiro, colunista da Folha, lembrou o Dia Internacional em Memória das Vítimas da Escravidão e do Comércio Transatlântico de Pessoas Escravizadas.

Isto mostra o quanto o Brasil precisa acordar e atuar contra um processo que começou com a chegada dos primeiros africanos em território brasileiro.

Não é possível continuarmos a permitir que esses infames ataques continuem a acontecer entre nós.

Aliás, a cidade de Campos dos Goytacazes é simbólica no combate à escravidão no Brasil. Ela é berço do abolicionista José do Patrocínio (1853-1905). Negro, filho de mãe escravizada, Patrocínio se tornou uma das vozes mais importantes contra o famigerado sistema de sujeição humana e ficou conhecido como “a pena da abolição”.

Basta de racismo.


Deixo aqui minha solidariedade a jornalista Luciana Barreto, apresentadora da TV Brasil, também alvo de ofensas racistas.


Tom Farias – Jornalista e escritor, é autor de “Carolina, uma Biografia” e do romance “Toda Fúria”

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